Nesse texto será abordado o manejo do paciente com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (Infarto agudo do miocárdio sem supra de ST e angina instável).
São objetivos do tratamento inicial do paciente com síndrome coronariana aguda:=
- Alívio da dor isquêmica e início de betabloqueadores
- Estabilização hemodinâmica
- Estratificação de risco
- Escolha da estratégia de tratamento (ex. angiografia precoce versus estratégia conservadora)
- Início de terapia antitrombótica (antiplaquetários e anticoagulantes)
- Início de terapias para uso a longo prazo (estatinas, inibidores da enzima conversora de angiotensina, antagonista de mineralocorticóides).
O mnemônico MONABCH é muito utilizado nos textos para auxiliar o médico a se lembrar dos medicamentos utilizados no tratamento inicial do infarto agudo do miocárdio.
M | Morfina |
O | Oxigênio |
N | Nitrato |
A | Aspirina |
B | Beta-bloqueador |
C | Clopidogrel |
H | Heparina |
Apesar desta ferramenta ter certa utilidade, ela começa por medidas que não melhoram o prognóstico dos pacientes e que inclusive podem trazer riscos, como a morfina, o oxigênio e os nitratos. Nem todos os pacientes irão precisar dessas três medidas. Dessa forma, recomendamos cautela ao utilizar o MONABCH.
Alívio da dor isquêmica:
Oxigênio: O uso de oxigênio é recomendado para pacientes com saturação de oxigênio menor que 90%. Não existe benefício de manter valores de saturação superiores a esse valor. Existe ainda risco teórico da hiperóxia de causar vasoconstrição coronária.
Nitroglicerina: A nitroglicerina pode ser utilizada para o alívio da dor isquêmica, tanto na apresentação sublingual, como intravenosa. Deve-se atentar para as situações em que o uso dos nitratos podem causar hipotensão grave, como no infarto agudo do miocárdio de ventrículo direito, estenose aórtica grave e uso de inibidores de fosfodiesterase (ex. sildenafil). A nitroglicerina pode ser usada da seguinte forma:
- Sublingual: 5mg, podendo ser repetido com intervalo de 5 minutos até 3 vezes.
- Intravenosa: Nitroglicerina: iniciar com 5 a 10 mg/min IV e titular 5 a 10 mg/min a cada 5 a 10 minutos. Máximo de 200mg/min. Sugestão de diluição: Diluir 1 ampola (50mg) em 240 ml de SGI. Administrar em bomba de infusão contínua entre 2-60 ml/h.
Não existe evidência de que a nitroglicerina melhore desfechos clínicos, portanto seu uso deve ser restrito a pacientes com dor.
Betabloqueadores: Os betabloqueadores reduzem o consumo de oxigênio miocárdico por reduzirem a contratilidade miocárdica, a pressão arterial e a frequência cardíaca. Dessa forma, podem ser utilizados para alívio da dor isquêmica no contexto do infarto agudo do miocárdio.
Os betabloqueadores devem ser utilizados pela via intravenosa em pacientes com dor isquêmica, hipertensão ou taquicardia e que estejam estáveis hemodinamicamente.Nesses casos pode-se utilizar o metoprolol intravenoso.
Vale ressaltar que o início de betabloqueadores deve ser considerado em todos os pacientes com infarto agudo do miocárdio na ausência de contraindicações. Caso o paciente não se enquadre nas situações acima e esteja estável hemodinamicamente, pode ser iniciado betabloqueador oral que será titulado para atingir a dose alvo.
O uso de betabloqueadores é contraindicado na angina por vasoespasmo, no infarto agudo do miocárdio relacionado ao uso de cocaína, em pacientes hipotensos ou em edema agudo de pulmão cardiogênico.
Os betabloqueadores podem ser utilizados nas seguintes doses:
- Metoprolol:
- IV: 5 mg em 5 minutos (Bolus EV lento sem diluir). Pode repetir a cada 5 min, até 15 mg de dose total.
- VO: 25 a 100mg de 12/12h (preferível)
- Propranolol: VO: 40 a 80 mg, de 8/8h até 6/6h.
- Atenolol: VO: 50 a 100 mg de 12/12h.
Morfina: Apesar de classicamente citada nos textos sobre infarto agudo do miocárdio, o uso da morfina deve ser evitado nesse contexto, pois seu uso está associado ao aumento de eventos adversos. Dessa forma, seu uso deve ser restrito a pacientes com dor de forte intensidade que não tenha respondido a outras medidas clínicas. Caso seja utilizada, pode ser feita na dose de 2 a 4 mg e repetida com intervalos de 15 minutos.
Estabilização hemodinâmica
Todo paciente potencialmente grave deve ser avaliado de maneira sistematizada. Para isso, pode-se utilizar a técnica ABCDE (Airway, Breathing, Circulation, Disability, Exposure), conforme descrito neste artigo sobre parada cardiorrespiratória.
Estratificação de risco
A estratificação de risco no infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e na angina instável são essenciais para identificar pacientes de risco mais alto que podem se beneficiar de estratégia mais agressiva de tratamento. Existem diversos escores para estratificar o risco dos pacientes. As mais utilizadas são o TIMI e o GRACE.
Escore TIMI | |
Critério | Pontuação |
Idade > 65 anos | 1 |
Presença de > 3 fatores de risco para doença coronariana (hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo e história familiar) | 1 |
Lesão coronariana prévia > 50% | 1 |
Desvio de ST > 0,5 mm | 1 |
Angina recorrente nas últimas 24 horas | 1 |
Elevação de marcadores de necrose miocárdica | 1 |
Uso de aspirina nos últimos 7 dias | 1 |
Total | 0-7 |
De acordo com a pontuação o paciente pode ser classificado em baixo (0 a 2 pontos), intermediário (3 a 4 pontos) e alto risco (5 a 7 pontos).
O escore GRACE simplificado utiliza 8 parâmetros para predizer infarto agudo do miocárdio e morte intra-hospitalar e em 6 meses.
A calculadora online está disponível neste link.
Além do uso dos escores de risco os pacientes podem ser classificados em muito alto risco caso apresentem um dos seguintes achados:
- Instabilidade hemodinâmica ou choque cardiogênico
- Disfunção ventricular grave ou insuficiência cardíaca aguda
- Angina recorrente ou em repouso apesar da terapia medicamentosa
- Insuficiência mitral ou comunicação interventricular novas
- Arritmias ventriculares sustentadas
Escolha da estratégia de tratamento
A estratificação de risco descrita acima irá ajudar a orientar o momento de realização da angiografia coronária.
Fonte: Adaptado de: https://www.escardio.org/Guidelines/Clinical-Practice-Guidelines/Acute-Coronary-Syndromes-ACS-in-patients-presenting-without-persistent-ST-segm
Terapia antitrombótica
Todos os pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST devem receber aspirina, bloqueadores do receptor P2Y12 e anticoagulantes, na ausência de contraindicações.
Aspirina: A aspirina possui benefícios comprovados em diversas condições cardiovasculares, incluindo prevenção secundária de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e tratamento da síndrome coronariana aguda.
No contexto da síndrome coronariana aguda, deve ser utilizada dose de ataque entre 162 e 325 mg. Geralmente são administrados 200 a 300 mg de aspirina mastigados. Em seguida, o paciente deve utilizar uma dose diária de 75 a 100 mg por período indeterminado.
Inibidores de P2Y12: Todos os pacientes com síndrome coronariana aguda devem receber dupla antiagregação plaquetária na ausência de contraindicações. Podem ser utilizados 4 medicamentos dessa classe:
- Clopidogrel:
- Dose: ataque de 300 a 600mg VO e depois, 75 mg/dia. A dose de ataque de 600 mg é utilizada em pacientes submetidos à angioplastia precoce.
- Ticagrelor:
- Redução de desfecho combinado morte e infarto agudo do miocárdio em relação ao clopidogrel
- Aumento de sangramentos graves quando comparado com o clopidogrel
- Recomendado em pacientes de moderado a alto risco na ausência de contraindicações
- Ataque: 180 mg. Manutenção: 90 mg por dia.
- Prasugrel:
- Redução de eventos isquêmicos superior a do clopidogrel
- Aumento de sangramentos graves
- Recomendado em pacientes que irão para angiografia precoce na ausência de contraindicações. É contraindicado em maiores de 75 anos, peso menor que 60 kg e história pregressa de ataque isquêmico transitório ou acidente vascular encefálico.
- Ataque: 60 mg. Manutenção: 10 mg por dia.
- Cangrelor:
- Uso intravenoso.
- Redução de eventos isquêmicos superior ao clopidogrel
- Aumento de sangramentos graves quando comparado ao clopidogrel
A tabela abaixo traz algumas informações complementares sobre os inibidores de P2Y12
Clopidogrel | Prasugrel | Ticagrelor | |
Via | Oral | Oral | Oral |
Ataque
Manutenção |
300-600 mg
75 mg/dia |
60 mg
10 mg/dia |
180 mg
90 mg BID |
Disfunção renal –
Clearance de Creatinina > 15 |
Sem ajuste | Sem ajuste | Sem ajuste |
Disfunção renal –
Clearance de Creatinina Cl Cr < 15 |
Evitar | Não usar | Não usar |
Ativação | Pró-droga, com ativação variável | Pró-droga, com ativação previsível | Droga ativa com metabólito ativo |
Início de ação | 2-6 horas | 30 min | 30 min |
Duração da ação | 3-10 dias | 7-10 dias | 3-5 dias |
Suspensão para cirurgia | 5 dias | 7 dias | 5 dias |
Anticoagulação: O uso de anticoagulantes na fase aguda do infarto agudo do miocárdio reduz eventos isquêmicos quando comparado a antiagregação plaquetária isoladamente. As formas de utilização são descritas na tabela abaixo:
Função renal normal | Clearance de Creatinina < 30 | Clearance de Creatinina < 15 | |
Heparina
não fracionada |
Ataque: bolus IV 60 U/Kg – máximo 4.000 U.
Depois: 12 U/Kg/h – máximo 1.000 U/h. Controle: TTPa 1,5-2,5 Diluir 5 ml de heparina (Apresentação de 5000 UI por ml) em 245 ml de SF = 100 U/ml. |
Sem ajuste | Sem ajuste |
Enoxaparina | 1 mg/Kg SC de 12 em 12 horas | 1 mg/Kg uma vez ao dia | Não usar |
Fondaparinux | 2,5 mg SC uma vez ao dia | Não usar se Cl Cr < 20 | Não usar |
Pacientes que são submetidos a angiografia precoce e receberam enoxaparina, devem receber 30% da primeira dose pela via endovenosa. No caso do uso do fondaparinux, deve ser feito um bolus de heparina não fracionada no momento da angiografia.
Os anticoagulantes são utilizados por um curto período. Eles devem ser suspensos no seguintes momentos:
- Estratégia invasiva: após realização da angioplastia.
- Estratégia conservadora: Utilizar no máximo 8 dias ou até a alta hospitalar no caso da enoxaparina e fondaparinux. No caso da heparina não fracionada, utilizar por 48 horas.
Terapia de longo prazo
No longo prazo os pacientes que tiveram diagnóstico de infarto agudo do miocárdio sem supra de ST e angina instável devem receber:
- Aspirina
- Inibidor de P2Y12 (Clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel)
- Estatina de alta potência: Atorvastatina 80 mg ou rosuvastatina 20 mg. Deve ser iniciado preferencialmente nas primeiras 24 horas.
- Inibidores da enzima conversora de angiotensina (Enalapril, captopril…):
- Diminuem o remodelamento ventricular pós-infarto, melhorando a função mecânica do ventrículo esquerdo
- Estão indicados nos casos de fração de ejeção ventricular menor que 40% ou sinais/sintomas insuficiência cardíaca, em pacientes hipertensos, diabéticos ou com doença renal crônica.
- Os bloqueadores do receptor de angiotensina são alternativa quando ocorre intolerância aos inibidores da enzima conversora de angiotensina.
- Antagonista mineralocorticóide (Espironolactona e eplerenona)
- Indicado para os casos de fração de ejeção menor que 35% ou menor que 40% associado à insuficiência cardíaca ou diabetes.
ORIGINAL: https://curem.com.br/blog/tratamento-do-infarto-agudo-do-miocardio