O choque pode ser classificado em 4 tipos principais, baseados tradicionalmente no seu perfil hemodinâmico: hipovolêmico, cardiogênico, obstrutivo e distributivo. Tem sido proposta a inclusão de uma quinta categoria que englobaria o choque secundário às causas de hipóxia histotóxica (p.ex. intoxicação por cianeto, monóxido de carbono, ferro).1 O Quadro 1 apresenta as principais etiologias para cada tipo de choque.
É importante ressaltar que o choque também pode ser misto. Por exemplo, nos pacientes com choque séptico, que podem apresentar também o componente hipovolêmico bem como cardiogênico associados.
Quadro 1 – Principais etiologias do choque para cada classificação
Hipovolêmico
– Hemorragias externas ou internas (trauma, hemorragia digestiva)
– Perdas cutâneas (queimaduras extensas, febre), gastrointestinais (diarreia, vômitos) ou urinárias
– Sequestro de líquidos para o terceiro espaço (pancreatite, peritonite)
Cardiogênico
– IAM (principalmente afetando ventrículo esquerdo)
– Arritmias
– Miocardiopatia dilatada avançada
– Causas mecânicas (defeitos valvares, ruptura de septo, aneurisma de parede) – Insuficiência mitral aguda
Obstrutivo
– Tromboembolismo pulmonar maciço – Tamponamento cardíaco
– Pneumotórax hipertensivo
– Hipertensão pulmonar
– Coartação de aorta
Distributivo
– Choque séptico
– Choque anafilático
– Choque neurogênico (traumatismo raquimedular) – Insuficiência adrenal
– Coma mixedematoso
Choque Hipovolêmico – O choque hipovolêmico é resultante da redução do volume intravascular secundário a perda de sangue ou fluidos e eletrólitos, gerando assim uma redução da pré-carga e consequentemente do débito cardíaco (DC). A resistência vascular sistêmica (RVS) aumenta numa tentativa de manter a perfusão de órgãos vitais. Sua causa mais comum é a hemorragia.
Choque Cardiogênico – Ocorre como consequência de uma falência da bomba cardíaca, resultando na incapacidade do coração de manter uma adequada perfusão tecidual, mesmo na presença de volume intravascular adequado. O infarto agudo do miocárdio (IAM) afetando ventrículo esquerdo representa 74,5% das suas causas.
Choque Obstrutivo – Resulta de uma obstrução mecânica ao débito cardíaco, causando a hipoperfusão.
Choque Distributivo – É caracterizado pela presença de má distribuição do fluxo sanguíneo relacionado a uma inadequação entre a demanda tecidual e a oferta de oxigênio, fenômeno descrito como shunt.1,2,7 O choque séptico é o exemplo clássico, mais importante e mais prevalente do choque distributivo,1,6 levando a altas taxas de mortalidade, que variam entre 20-50%.5 Entre outras causas, estão ainda a anafilaxia e o choque neurogênico. Diferentemente dos outros tipos de choque, o distributivo é consequência de uma redução severa da RVS, e o DC aumenta após a administração de fluidos numa tentativa de compensar a RVS diminuída.
ACHADOS CLÍNICOS
A apresentação clínica do choque varia de acordo com o tipo do choque, sua causa inicial e a resposta orgânica a hipoperfusão e/ou hipóxia. Achados severos são comuns a todos os tipos de choque, entretanto alguns achados podem ser sugestivos de um tipo particular de choque.
Um ponto importante na diferenciação clínica dos tipos de choque é entender a diferença entre os ditos choques hipodinâmicos (frios) e hiperdinâmicos (quentes), em que os primeiros, representados pelos choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo, são os que apresentam baixo DC e alta RVS, enquanto os segundos, representados pelos distributivos, apresentam baixa RVS e DC alto.
Achados clínicos principais
Hipotensão: ocorre na maioria dos pacientes que chegam ao pronto- socorro, podendo ser absoluta (PAS <90 mmHg) ou relativa (uma queda >40 mmHg na PAS), entretanto não necessariamente está presente, e deve-se restaurar a perfusão o mais precocemente possível, mesmo na sua ausência.4,5
- Oligúria: é um dos sinais mais precoces do choque e a melhora deste parâmetro ajuda a guiar a terapêutica.
- Alterações do estado mental: são mudanças contínuas durante o choque e geralmente cursam com agitação, podendo progredir para confusão ou delírio e finalmente em obnubilação e coma.
- Acidose metabólica: ocorre devido à redução da conversão do lactato pelo fígado, rins e músculo esquelético, além do aumento da produção do mesmo pelo metabolismo anaeróbio quando o choque progride para falência circulatória e hipóxia.
- Má perfusão periférica: Avaliada por uma pele fria, pegajosa e com enchimento capilar lentificado (>3 segundos), este quadro clínico ocorre devido aos mecanismos de vasoconstrição periférica para redirecionar o fluxo aos órgãos vitais nos choques hipodinâmicos. Entretanto, é diferenciada no choque distributivo, onde antes do mecanismo de vasoconstrição compensatório, apresenta uma pele corada, hiperemiada e quente.
Achados sugestivos
- Hipovolêmico: Dependendo da causa, o paciente pode apresentar hematêmese, hematoquesia, melena, náusea, vômitos, evidências de trauma, ou ser paciente de pós-operatório. Manifestações clínicas incluem pele, axilas, língua e mucosa oral secas, além de redução do turgor cutâneo.
- Cardiogênico: Dependendo da causa, pode haver dispneia, dor no peito ou palpitações. Muitos pacientes apresentam história de doença cardiovascular. Ao exame físico pode haver crepitantes à ausculta respiratória refletindo a congestão pulmonar, além de sopro, galope ou abafamento de bulhas a ausculta cardíaca. Pode haver sinais de congestão pulmonar a radiografia, sinais de isquemia miocárdica ao eletrocardiograma (ECG) além de elevação de enzimas cardíacas.
- Obstrutivo: A presença de sinais de insuficiência respiratória, enfisema subcutâneo, ausência de murmúrio vesicular, timpanismo a percussão e desvio de traqueia sugerem fortemente pneumotórax hipertensivo.8Taquicardia, bulhas abafadas e estase jugular sugerem tamponamento cardíaco. Outros sinais como dispneia, dor retroesternal, cianose e pulso paradoxal podem estar presentes e correlacionados a TEP, coartação de aorta, entre outros.
- Distributivo: Dependendo da causa, pode haver dispneia, tosse produtiva, disúria, hematúria, calafrios, mialgias, dor, história de picada de insetos ou trauma raquimedular. Ao exame físico, o paciente pode apresentar febre,
taquipneia, taquicardia, petéquias, alteração do estado mental, rubor, e leucocitose ao hemograma.
APROXIMAÇÃO AO DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do choque é eminentemente clínico, reconhecendo através de uma avaliação clínica cuidadosa os sinais precoces de perfusão e oxigenação teciduais inadequadas. Este é o primeiro passo para o sucesso no tratamento.
Quando houver a suspeita de um paciente estar em choque, o diagnóstico deve ocorrer ao mesmo tempo em que a ressuscitação. Os esforços para restaurar a perfusão jamais devem ser retardados em detrimento da coleta da história, exame físico ou realização de exames laboratoriais ou de imagem.4 A abordagem inicial deve ser dinâmica, com medidas diagnósticas e terapêuticas ocorrendo simultaneamente, visando corrigir o déficit da perfusão tecidual e prevenir lesão adicional.1
História médica
Pode trazer informações valiosas e deve ser direcionada à procura da etiologia do choque, fornecendo assim subsídios para a terapêutica mais adequada e eficaz para essa síndrome.2 A discussão com o paciente ou familiares deve centrar em sintomas sugestivos de depleção de volume, história de trauma, doença cardiovascular, focos infecciosos, medicações em uso, além de possível reação anafilática ou intoxicação aguda.
Exame físico
Deve ser eficiente e direcionado para descobrir o tipo, severidade e causa do choque. Os achados não são sensíveis nem específicos para identificar a causa, mas se bem realizado e focado nos sinais sugestivos, o exame físico é de grande valia para fornecer pistas iniciais.4
Exames complementares
Ajudam a identificar a causa do choque e falência orgânica. Devem ser realizados precocemente na avaliação, mesmo no choque ainda indiferenciado.
Exames laboratoriais: devem incluir hemograma, eletrólitos, ureia, creatinina, função hepática, amilase, lípase, coagulação, d-dímeros, enzimas cardíacas, gasometria arterial, screening toxicológico e lactato arterial. Tipagem sanguínea e provas cruzadas serão úteis nos pacientes candidatos à transfusão devido à hemorragia.
ECG e Radiografia de tórax são mandatórios. Radiografia de abdômen, TC abdominal, ecocardiograma e exame de urina podem ser auxiliares.4
Culturas de possíveis sítios de infecção devem sempre ser solicitadas na suspeita de choque séptico. A bacterioscopia pode auxiliar na busca do foco infeccioso enquanto se aguardam os exames culturais.
Com os dados obtidos através desta avaliação, na maioria dos casos a etiologia pode ser determinada ou reduzida a algumas poucas possibilidades. Nos pacientes nos quais o choque permanece indiferenciado, métodos invasivos como o Cateterismo Venoso Central e a Cateterização de Artéria Pulmonar (Swan-Ganz) podem prover dados adicionais.4 A Tabela 1 sumariza as variáveis hemodinâmicas obtidas por estes métodos.
ABORDAGEM AO MANEJO INICIAL NA SALA DE EMERGÊNCIA
O manejo dos pacientes em choque exige invariavelmente admissão à unidade de terapia intensiva (UTI) e experiência de um intensivista treinado para conduzir a equipe multiprofissional necessária ao atendimento.1Entretanto, muita ênfase tem se dado ultimamente para que a ressuscitação do paciente seja realizada o mais precocemente possível, antes mesmo da entrada na UTI. Assim, a sistematização do atendimento inicial na sala de emergência é fundamental.
Suporte básico a vida
O manejo inicial consiste no suporte básico a vida, dando-se prioridade sempre à avaliação do “ABC”:
- A (airway): assegurar via aérea, mantendo-a pérvia e protegida contra obstrução ou aspiração.
- B (breathing): manter adequada ventilação e oxigenação do paciente fornecendo oxigênio suplementar. A ventilação mecânica deve ser instituída sempre que a ventilação por acessórios não invasivos for insuficiente, e em todos os pacientes em choque grave, diminuindo seu consumo energético.
- C (circulation): deve-se dar atenção as possíveis causas do choque, visando um tratamento definitivo para o problema.
Acesso venoso calibroso
O acesso ao sistema vascular deve ser obtido rapidamente, através da inserção de dois cateteres intravenosos periféricos de calibre 16 ou 18, antes de qualquer possibilidade de cateterismo venoso central. A velocidade do fluxo através dos cateteres responde a Lei de Poiseuille, onde o fluxo é proporcional à quarta potência do raio do cateter, e inversamente proporcional ao seu comprimento.
Reposição volêmica agressiva
A pré-carga deve ser aumentada visto que a hipovolemia, seja ela absoluta ou relativa, quase sempre está presente,2 inclusive em determinadas fases dos choques cardiogênico e distributivo.7 O tipo de líquido a ser infundido ainda é tema de controvérsia, e podem ser empregados tanto cristaloides (Solução Fisiológica, Ringer) quanto coloides, entretanto o custo dos cristaloides é bem menor,2 sendo estes os mais utilizados. O líquido deve estar aquecido para evitar hipotermia, e deve ser administrado tão rápido quanto possível.8
A dose da reposição volêmica inicial é habitualmente de 2 litros no adulto e de 20 mL/kg na criança,8 e a resposta ao volume deve ser monitorizada pela diminuição da taquicardia, melhora do débito urinário e do estado neurológico.2
Transfusões são reservadas a pacientes com grandes perdas (>30% volemia). Em geral procura-se manter o hematócrito em 30% e a hemoglobina em 10 g/dL.7
Agentes inotrópicos e vasoativos
Devem ser administrados com cautela e somente após a ressuscitação volêmica, ou então como ponte, enquanto esta é realizada e a PA continua muito baixa.2 Servem como auxílio para manter a pressão de perfusão. Uma PAM-alvo ainda não foi estabelecida, mas uma PAM de pelo menos 60-65 mmHG é um alvo razoável.5 São representados por agentes inotrópicos (Dobutamina, Inibidores da Fosfodiesterase), vasopressores (Dopamina, Noradrenalina) e vasodilatadores (Nitroprussiato, Nitroglicerina).
Finalmente, após o manejo inicial, o paciente deve ser prontamente encaminhado a UTI, onde os esforços devem ser direcionados ao tratamento definitivo da causa base do quadro.
Considerações finais no tratamento do choque
Choque séptico: antibioticoterapia empírica deverá ser instituída precocemente até que se tenham os resultados das culturas e o tratamento específico possa ser empregado. Na sepse existem metas norteadoras da
ressuscitação inicial durante as seis primeiras horas segundo diretrizes internacionalmente aceitas. São elas: PVC de 8-12 mmHg; PAM ≥65 mmHg; Diurese ≥0,5 mL/kg/h; Pressão venosa ou SvcO2 de 70% e 65% respectivamente; normalizar os níveis de lactato nos pacientes com níveis altos.
Choque obstrutivo: dependendo de sua causa base, pode exigir tratamento imediato ainda na sala de emergência.
Choque anafilático: o tratamento inclui adrenalina e anti-histamínicos.
Choque cardiogênico: poderá demandar o uso de balão intra-aórtico para manter a perfusão cardíaca. A revascularização coronária aumenta a sobrevida nos paciente cujo choque foi causado por isquemia miocárdica.5
CONCLUSÃO
Mesmo com importantes avanços no entendimento do choque, suas taxas de mortalidade continuam altas. Faz-se necessário que médicos e outros profissionais da saúde estejam atentos aos sinais sugestivos de hipoperfusão, visto que, o diagnóstico precoce, a ressuscitação agressiva e a interrupção da causa base são a melhor abordagem no manejo destes pacientes.
Texto retirado de:
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/882566/choque-principios-gerais-de-diagnostico-precoce-e-manejo-inicial.pdf