Quando se inicia o trabalho de parto, a gestante dirige-se a uma casa aconchegante e confortável, onde pode caminhar, comer e beber à vontade, tomar banhos relaxantes e receber massagens. A posição de parir, seja na água, deitada ou de cócoras, é escolhida pela parturiente. Acompanhantes são bem-vindos durante todo o processo e intervenções médicas só são usadas quando necessárias. Enfermeiras e parteiras fazem acompanhamento pré-natal e durante todo o parto. O recém-nascido não é separado da mãe, que pode amamentar livremente. Essa é a proposta das Casas de Parto, modelo que a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ) pretende implantar, com o apoio do Ministério da Saúde, e que já existe em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Somente grávidas que fizeram o pré-natal e comprovaram que são gestantes de baixo risco podem parir assim.
No entanto, nem todos concordam com esse modelo. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) acionou o Ministério Público (MP) para impedir o funcionamento das Casas de Parto. A entidade afirma que é indispensável a presença de médicos no processo de nascimento do bebê. “Não é possível retroceder a uma situação do século passado numa cidade com possibilidades amplas de equipamentos e profissionais como o Rio de Janeiro”, indigna-se Abdu Kexfe, obstetra e um dos diretores do Cremerj. Dia 4 de fevereiro, o MP realizou audiência pública para discutir a questão.
Por conta dessa oposição, foi criado o Movimento pelas Casas de Parto, que conta com o apoio de diversas organizações como a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), a Associação Brasileira de Enfermeiras Obstétricas (Abenfo), a Associação Nacional de Doulas (Ando) e a Rede Feminista de Saúde, entre outras. No “Manifesto das Usuárias”, o movimento afirma que mais de 95% das mulheres são capazes de dar à luz naturalmente, na presença de uma enfermeira obstétrica ou parteira, mas ao longo dos anos, o parto foi perdendo seu sentido natural e fisiológico e passou a ser visto como um evento perigoso. De acordo com o manifesto, que defende a mulher como protagonista do parto, um momento que antes era familiar, transformou-se em frio, tecnológico e medicalizado.
“O número de cesarianas cresceu muito atualmente, inclusive em partos de baixo risco”, afirma Ingrid Lotfi, líder do Movimento pelas Casas de Parto. Esse aumento foi acompanhado por uma elevação nas intervenções desnecessárias no processo natural de parir e no número de mortes e danos a mães e filhos. Segundo ela, há uma indústria de cesarianas em que os médicos até marcam a cirurgia com antecedência, o que fere o código de ética da profissão e põe em risco a vida das mulheres.
Para o Cremerj, não existe o conceito de parto sem risco. “Há gravidez de baixo ou alto risco, e isso não tem nada a ver com o parto”, defende Kexfe. Segundo ele, em 15 a 20% dos partos sem médico ocorre alguma situação de emergência com danos para a mãe ou para o recém-nascido. A entidade fundamenta sua argumentação em um decreto lei de 1932 que estabelece que nenhuma unidade de saúde pode funcionar sem um médico, e em uma lei de 1993 que garante a presença de um pediatra na assistência ao parto. De acordo com o Cremerj, a portaria do Ministério da Saúde de 1999, que permite que partos sejam realizados sem obstetras ou pediatras, somente com enfermeiras, contraria os outros dois dispositivos.
O Movimento pelas Casas de Parto e a SMS/RJ afirmam que a casa de parto não é uma unidade médica ou hospitalar, pois prevê cuidado, não tratamento médico. Além disso, elas se localizam próximas a hospitais de referência e contam com ambulâncias preparadas para encaminhar parturientes para esses hospitais caso ocorra alguma complicação. De acordo com o Movimento, esse modelo é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e é utilizado por países como Holanda, Dinamarca e Japão, nos quais diminuiu a taxa de mortalidade em partos.
Segundo o Cremerj, nesses países essa prática também é condenada. “Não tem por que importar um modelo falido”, afirma Kexfe. De acordo com a entidade, o parto sem a presença de médicos pode causar danos à saúde da criança, como retardo mental, paralisia cerebral e atraso escolar. Kexfe acusa os defensores das Casas de Parto de pessoas despreparadas que não conhecem os avanços da ciência. “Há mil maneiras de se humanizar o parto, sem retirar a figura do médico”, completa.
O secretário de saúde do Rio, Marcos Dias, estranha essa oposição do Cremerj por já haver casas de parto em outras cidades brasileiras. “Essa não é a preocupação de outras categorias que também lidam com a saúde da população. Tenho receio de que seja apenas uma questão de corporativismo”, acredita Dias.
Texto na íntegra:
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Conselho-de-Medicina-se-opoe-a-Casas-de-Parto-no-Rio/5/1371
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