Pré-eclâmpsia afeta 3 a 7% das gestantes. A pré-eclâmpsia e a eclâmpsia se desenvolvem após 20 semanas de gestação; até 25% dos casos se desenvolvem pós-parto, com mais frequência nos 4 primeiros dias, mas, em alguns casos, em até 6 semanas após o parto.
Pré-eclâmpsia não tratada permanece latente por tempo variável e, então, repentinamente, caminha para eclâmpsia, o que ocorre em 1/200 pacientes. Eclâmpsia não tratada costuma ser fatal.
Etiologia
A etiologia da pré-eclampsia é desconhecida.
Mas os fatores de risco incluem:
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Nuliparidade
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Hipertensão crônica preexistente
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Distúrbios vasculares (p. ex., distúrbios renais, vasculopatia diabética)
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Diabetes preexistente ou gestacional
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Idade materna avançada (> 35 anos) ou muito jovem (p. ex., < 17 anos)
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História familiar de pré-eclâmpsia
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Pré-eclâmpsia ou maus resultados em gestações anteriores
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Gestação multifetal
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Obesidade
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Distúrbios trombóticos (p. ex., síndrome do anticorpo antifosfolipídio)
Fisiopatologia
A fisiopatologia da pré-eclâmpsia e eclâmpsia é parcialmente compreendida. Os fatores podem ser o desenvolvimento insuficiente das arteríolas espiraladas uteroplacentárias (que diminuem o fluxo sanguíneo uteroplacentário em gestação tardia), uma anormalidade genética no cromossomo 13, anormalidades imunológicas e isquemia ou infartos placentários. A peroxidação lipídica da membrana das células, induzida por radicais livres, pode contribuir para a pré-eclâmpsia.
Complicações
Pode ocorrer restrição do crescimento fetal ou morte fetal. O vasoespasmo difuso ou multifocal pode causar isquemia materna, eventualmente danificando múltiplos órgãos, em particular cérebro, rins e fígado. Os fatores que podem contribuir para o vasospasmo incluem decréscimo de prostaciclinas (vasodilatador derivado do endotélio), aumento da endotelina (vasoconstritor derivado do endotélio) e aumento do Flt-1 solúvel (um receptor circulante para fator de crescimento do endotélio vascular). Mulheres com pré-eclâmpsia têm risco de descolamento prematuro de placenta nas gestações atuais e futuras, possivelmente porque ambas as doenças estão relacionadas à insuficiência uteroplacentária.
O sistema de coagulação está ativado, possivelmente secundário à disfunção celular endotelial, ocasionando ativação plaquetária. A síndrome HELLP se desenvolve em 10 a 20% das mulheres com pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia; esta incidência é aproximadamente de 100 vezes menor para todas as gestações (1 a 2/1.000). A maioria das gestantes com a síndrome HELLP tem hipertensão e proteinúria, mas algumas não têm nenhuma delas.
Sinais e sintomas
A pré-eclâmpsia pode ser assintomática ou causar edema ou ganho de peso excessivo. Edema não dependente, tal como o facial e o de mãos (os anéis podem não mais caber nos dedos), é mais específico que o edema dependente.
A reatividade reflexa pode ser aumentada, indicando irritabilidade neuromuscular, que pode progredir para convulsões (eclâmpsia).
As petéquias podem se desenvolver, assim como outros sinais de coagulopatia.
Pré-eclâmpsia com características graves pode causar danos nos órgãos; essas características podem incluir
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Dor de cabeça intensa
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Distúrbios visuais
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Confusão
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Dor abdominal no epigástrico ou no hipocôndrio direito (refletindo isquemia hepática ou distensão capsular)
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Náuseas e/ou vômitos
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Dispnéia [refletindo edema pulmonar, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ou disfunção cardíaca secundária ao aumento da pós-carga]
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Acidente vascular cerebral (raramente)
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Oligúria (refletindo diminuição do volume plasmático ou necrose tubular aguda isquêmica)
Diagnóstico
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Início recente da hipertensão (PA > 140/90 mmHg) mais proteinúria inexplicada (> 300 mg/24 h após 20 semanas ou razão proteína/creatinina na urina de ≥ 0.3)
Sugere-se o diagnóstico da pré-eclampsia pelos sintomas ou pela presença de hipertensão, definida como PA sistólica > 140 mmHg, PA diastólica > 90 mmHg, ou ambas. Exceto em emergências, a hipertensão deve ser documentada em > 2 mensurações realizadas pelo menos em intervalos de 4 h. A excreção de proteínas pela urina é medida em uma coleta de 24 h.
A proteinúria é definida como > 300 mg/24 h. Alternativamente, diagnostica-se a proteinúria com base na razão proteína/creatinina ≥ 0,3 ou leitura de tira reagente de 1+; o teste de tira reagentes só é utilizado quando outros métodos quantitativos não estão disponíveis. Ausência da proteinúria em testes menos precisos (p. ex., testes de urina com tira reagente, exame de urina) não descarta a pré-eclâmpsia.
Na ausência de proteinúria, a pré-eclâmpsia também é diagnosticada se gestantes têm hipertensão de início recente, além de qualquer um dos seguinte de início recente:
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Trombocitopenia (plaquetas < 100.000/μL)
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Insuficiência renal (creatinina > 1,1 mg/dL ou duplicação da creatinina no soro em mulheres sem doença renal)
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Função hepática comprometida (aminotransferases > 2 vezes o valor normal)
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Edema pulmonar
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Sintomas cerebrais ou visuais
Os seguintes pontos ajudam a diferenciar os distúrbios hipertensivos em gestantes:
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Hipertensão crônica é identificada se a hipertensão preceder a gestação, se estiver presente < 20 semanas de gestação ou persistir por > 6 semanas (normalmente > 12 semanas) pós-parto (mesmo que a hipertensão seja primeiramente documentada com > 20 semanas de gestação). A hipertensão crônica pode ser mascarada durante o início da gestação pela diminuição fisiológica da PA.
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Hipertensão gestacional é a hipertensão sem proteinúria ou outros componentes da pré-eclâmpsia; ocorre primeiramente com > 20 semanas de gestação em mulheres que sabem não possuir hipertensão antes da gestação e é resolvida com 12 semanas (normalmente com 6 semanas) após o parto.
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A pré eclâmpsia é o início do surgimento da hipertensão (PA > 140/90 mmHg) mais proteinúria inexplicada (> 300 mg/24 h ou razão proteína/creatinina ≥ 0.3) após 20 semanas ou outros critérios (ver acima).
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Diagnostica-se pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica quando nova proteinúria inexplicável se desenvolve ou proteinúria piora após 20 semanas em uma mulher conhecida por ter hipertensão ou quando a PA aumenta ou sinais de pré-eclâmpsia com características graves se desenvolvem após 20 semanas em uma mulher conhecida por ter hipertensão e proteinúria.
Avaliação adicional
Se diagnosticada a pré-eclâmpsia, os testes são: avaliação da urina, hemograma completo, contagem de plaquetas, ácido úrico, provas da função hepática e mensuração dos eletrólitos séricos, ureia, creatinina e clearance de creatina. O feto é avaliado usando cardiotocografia ou perfil biofísico (incluindo a avaliação do volume de líquido amniótico) e testes que estimam o peso fetal.
A síndrome HELLP é indicada por resultados microangiopáticos (p. ex., esquizócitos, células capacete) encontrados no sangue periférico, elevados níveis de enzimas hepáticas e uma baixa contagem de plaquetas.
Diferencia-se pré-eclâmpsia com características graves da leve por um ou mais dos seguintes:
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Disfunções do SNC (p. ex., visão turva, escotomas, estado mental alterado e cefaleia intensa, não aliviada por paracetamol)
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Sintomas de distensão da cápsula hepática (p. ex., dor no hipocôndrio direito ou epigástrica)
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Náuseas e vômitos
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AST ou ALT > 2 vezes o normal
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Pressão arterial sistólica > 160 mmHg ou diastólica > 110 mmHg em 2 ocasiões com 4 h ou mais de intervalo
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Contagem de plaquetas < 100.000/μl
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Produção de urina < 500 mL/24 h
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Edema ou cianose pulmonar
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AVE
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Insuficiência renal progressiva (creatinina > 1,1 mg/dL ou duplicação da creatinina no soro em mulheres sem doença renal)
Tratamento
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Normalmente, hospitalização e algumas vezes tratamento anti-hipertensivo
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Parto, dependendo de fatores como idade gestacional e gravidade da pré-eclâmpsia
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Sulfato de magnésio para prevenção ou tratamento das convulsões
Abordagem geral
O tratamento definitivo da pré-eclâmpsia é o parto. Entretanto, o risco de parto prematuro é comparado com a idade gestacional, gravidade da pré-eclâmpsia e a reação a outros tratamentos.
Normalmente, o parto imediato após a estabilização materna (p. ex., controle das convulsões, começando a controlar a PA) é indicado para os seguintes casos:
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Gestação de ≥ 37 semanas
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Eclâmpsia
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Pré-eclâmpsia com características graves se a gestação tem ≥ 34 semanas
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Degeneração das funções renais, pulmonares, cardíacas ou hepáticas
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Resultados preocupantes do monitoramento ou teste fetal
Outros tratamentos visam otimizar a saúde materna, que normalmente otimiza a saúde fetal. Se for possível postergar o parto com segurança em gestações de < 34 semanas, administram-se os corticoides por 48 h para acelerar a maturidade pulmonar fetal.
A maioria das pacientes é internada. As pacientes com eclâmpsia ou pré-eclâmpsia com características graves são geralmente internadas em uma unidade de cuidados maternos especiais ou na UTI.
Pré-eclâmpsia leve
Se a pré-eclâmpsia for leve, é possível fazer tratamento ambulatorial, com modificação das atividades (repouso modificado), aferições da PA, cardiotocografia fetal e consultas médicas 2 a 3 vezes por semana.
No entanto, a maioria das pacientes com pré-eclâmpsia leve requer internação, pelo menos inicialmente. Desde que não haja nenhum critério para pré-eclâmpsia com características graves, o parto pode ocorrer (p. ex., por indução) na 37ª semana.
Monitoramento
Em geral avaliam-se as pacientes ambulatoriais 1 vez a cada 2 ou 3 dias buscando evidências de convulsões, sintomas de pré-eclâmpsia com características graves e sangramento vaginal; também verificam-se a PA, reflexos e estado cardíaco fetal (com cardiotocografia ou perfil biofísico). A contagem de plaquetas, creatinina sérica e enzimas séricas hepáticas são mensuradas frequentemente até que estejam estáveis e, então, pelo menos semanalmente.
Todas as pacientes hospitalizadas são acompanhadas por um obstetra e avaliadas por um especialista em medicina materna-fetal como pacientes ambulatoriais (descrito acima); a avaliação é mais frequente se pré-eclampsia com características graves é diagnosticada ou se a idade gestacional é < 34 semanas.
Sulfato de magnésio
Assim que a eclâmpsia é diagnosticada, deve-se administrar sulfato de magnésio para interromper as convulsões. Se as pacientes têm pré-eclâmpsia com características graves, administra-se sulfato de magnésio para prevenir convulsões, que é administrado por 24 horas após o parto. É controverso se as pacientes com pré-eclâmpsia leve sempre exigem sulfato de magnésio após o parto.
Sulfato de magnésio IV, 4 g ao longo de 20 min, seguido por infusão IV contínua de 1 a 3 g/h, com doses suplementares como necessário. A dose é ajustada de acordo com os reflexos da paciente. As pacientes com níveis anormalmente altos de magnésio (p. ex., com > 10 mEq/L, ou um diminuição súbita da reatividade aos reflexos), disfunção cardíaca (p. ex., com dispneia ou dor no peito) ou hipoventilação são tratadas com gluconato de cálcio 1 g IV.
O sulfato de magnésio IV pode causar letargia, hipotonia e depressão respiratória transitória em neonatos. Entretanto, são incomuns as complicações neonatais sérias.
Tratamentos de suporte
Se a administração por via oral estiver proibida, pacientes hospitalizadas recebem Ringer lactato ou soro fisiológico a 0,9% IV, 125 mL/h (para aumentar o débito urinário). Oligúria persistente é tratada com testes de provação de líquido cuidadosamente monitorados. Diuréticos geralmente não são utilizados. O monitoramento com um cateter arterial pulmonar raramente é necessário e, se necessário, é feito após prévia consulta com um especialista em cuidados intensivos e em uma UTI. Pacientes anúricas com normovolemia podem necessitar de vasodilatadores renais ou diálise.
Se ocorrerem convulsões apesar do tratamento com magnésio, diazepam ou lorazepam IV podem ser administrados para interromper as convulsões, e hidralazina ou labetalol IV podem ser dados em uma dose escalonada para abaixar a PA sistólica de 155 a 140 mmHg e a diastólica de 105 a 90 mmHg.
Método de parto
Deve-se usar o método de parto mais eficiente. Caso a cérvice seja favorável e o parto vaginal rápido parecer exequível, administra-se solução diluída de ocitocina IV para acelerar o trabalho de parto; se o trabalho de parto estiver ativo, as membranas são rotas. Se a cérvice for desfavorável e o parto vaginal imediato for improvável, pode-se considerar a cesariana. Em casos de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, se estas não se resolverem antes do parto, em geral desaparecem rapidamente a seguir, em 6 a 12 h.
Acompanhamento
As pacientes devem ser avaliadas a cada 1 a 2 semanas após o parto com mensuração periódica da PA. Caso os níveis da pressão permaneçam altos com 6 semanas pós-parto, as pacientes podem ter hipertensão crônica e devem ser encaminhadas a um clínico geral para o tratamento.
Pontos-chave
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A pré-eclampsia se desenvolve após 20 semanas de gestação; ela se desenvolve no pós-parto em 25% dos casos.
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Edema de face ou de mãos e hiperreflexia são resultados relativamente específicos para pré-eclâmpsia.
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A pré-eclâmpsia é grave se provocar disfunção orgânica significativa (detectada clinicamente ou por testes).
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A síndrome HELLP ocorre em 10 a 20% das mulheres que têm pré-eclâmpsia com características graves ou eclâmpsia.
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Monitorar a mãe e o feto atentamente, em geral em uma unidade especial de cuidados maternos ou UTI.
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Assim que a eclâmpsia é diagnosticada, tratar com doses altas de sulfato de magnésio
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Se a pré-eclâmpsia com características graves é diagnosticada, tratar com sulfato de magnésio para profilaxia das convulsões e tratar por 24 horas após o parto; para pré-eclâmpsia leve, a eficiência do sulfato de magnésio não é tão clara.
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Geralmente indica-se o parto quando a gestação tem ≥ 37 semanas, mas se for diagnosticada pré-eclâmpsia com características graves, fazer o parto na 34ª semana; se a síndrome HELLP for diagnosticada, fazer o parto imediatamente.
Fonte:
Msd Manual