Não dá pra negar, o assunto do momento são as moedas digitais. Seja na timeline do Linkedin, do Facebook, do Instagram, ou de qualquer outra rede social, você encontrará muita informação sobre elas. Seja na conversa de bar, entre amigos, na faculdade ou no trabalho, alguém provavelmente já comentou com você sobre esse assunto.
Não é verdade?
Contudo, mesmo com essa quantidade imensa de informações rolando pela internet e inúmeros influenciadores dialogando sobre elas, ainda surgem muitas dúvidas na mente das pessoas que, conhecedoras do mercado financeiro ou não, resolvem estudar o assunto para conhecimento próprio ou até, possivelmente, se tornarem investidoras.
Pensando nisso, recorri aos meus amigos do Linkedin para encontrar alguém que tivesse conhecimento em moedas digitais e pudesse bater um papo sobre o assunto. Nessa busca, encontrei Dioner Segala. Economista de formação e investidor em moedas digitais, ele atendeu ao meu pedido e respondeu às minhas perguntas sobre elas.
É claro que, registrei o nosso bate-papo e o transformei em um grande conteúdo para o Linkedin. Desta forma, eu espero que muitas pessoas, assim como eu, tenham acesso às informações necessárias para sanarem as suas dúvidas e adquirem mais conhecimento sobre essa tendência que vem ganhando cada vez mais espaço no mercado.
Confira a seguir, então, quem é Dioner Segala e o nosso bate-papo, na íntegra.
Antes de tudo, quem é Dioner Segala?
Sou economista, formado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tenho interesse por diversos assuntos, incluindo estatística, finanças e moedas digitais. Minha monografia teve como tema as causas e consequências da inflação durante o Plano Real, na perspectiva da Escola Austríaca de Economia. Estudo filosofia, invisto em bitcoins e sou amante dos livros.
O que é uma moeda digital?
Antes de falar sobre a moeda digital, é importante fazer um breve comentário sobre o que é a moeda. Uma moeda é o bem mais líquido de uma sociedade, i.e., um bem que as pessoas utilizam para facilitar as trocas. Historicamente, as moedas surgiram a partir do mercado, emergindo da interação de diversos indivíduos, para facilitar as trocas – antes era preciso trocar aquilo que produzia por aquilo que queríamos comprar. Hoje, quando queremos comprar algo, vendemos nossos produtos/serviços – a mão de obra, por exemplo – em troca de um salário, em moeda, e aí vamos até o mercado e compramos aquilo que desejamos. Uma moeda tem três funções básicas: unidade de conta, reserva de valor, e como meio de troca. Com essa breve explanação sobre a moeda e sua origem, fica mais fácil explicar o que é uma moeda digital.
Assim, uma criptomoeda (ou uma moeda digital), é um ativo digital, intangível, que possui (ou pretende possuir) as mesmas qualidades e funções de uma moeda tradicional. Elas são baseadas em criptografia, e a sua mineração (termo utilizado para explicar o processo de produção de uma criptomoeda) consiste na resolução desta criptografia. Não existem fisicamente, ou seja, não podem ser tocadas, como um metal precioso ou papel-moeda (como Real ou Dólar).
Qual a origem das moedas digitais?
Em 2008, Satoshi Nakamoto (ninguém sabe se é uma pessoa ou um grupo) publicou um paper, em que demonstrava o Bitcoin, dizendo “usem se quiserem”. Especula-se que ela foi criada para que não houvesse a necessidade da aprovação de terceiros (como os métodos de pagamento digitais). Foi a primeira moeda digital e somente alguns anos depois que começou a ser realmente conhecida. Um dos fatores que a fizeram ser conhecida foi sua rápida valorização e ainda mais rápida desvalorização em 2013. É difícil dizer, com certeza, o que motivou Nakamoto a criar esse código de criptografia, mas, há grande chance de que a explicação resida nos problemas apresentados pelos métodos de pagamento tradicionais, centralizados.
Por que temos tantas moedas atualmente, e qual a diferença entre elas?
O Bitcoin foi o pioneiro no mercado de criptomoedas, e devido ao seu sucesso (dentro de suas possibilidades), a sua valorização, e também aos seus defeitos, diversas pessoas criaram uma miríade de novas criptomoedas. Não é possível dizer exatamente quais são as diferenças entre elas, dado que são muitas alternativas, mas, em geral, as diferenças estão no tempo de confirmação das transações, nas taxas cobradas pelas transações, na dificuldade de resolução da criptografia, e até mesmo pela interpretação dada a algumas características do Bitcoin que levaram a uma divisão da rede bitcoin, criando moedas virtuais alternativas. De qualquer forma, todas elas têm o mesmo princípio, da intangibilidade, na ideia de serem moedas deflacionárias por terem uma oferta limitada, etc.
Qual a diferença entre o nosso dinheiro, o real, o dólar, o euro, para as moedas digitais?
Há diversas diferenças. A principal, eu diria, é o fato de que todas as moedas citadas são emitidas por Bancos Centrais, isto é, são emitidas de maneira centralizadas por bancos que, em geral, são controladas por governos, enquanto que as principais criptomoedas são exatamente o oposto: a “emissão” está nas mãos dos indivíduos que compõe o mercado, e cabe apenas aos indivíduos a decisão de aceitá-las, valorizá-las ou não.
Partindo desta grande diferença, a emissão de moedas tradicionais traz alguns problemas: como os Bancos Centrais são controlados por governos, sempre há a possibilidade de que, ao precisarem se financiar, emitam mais moedas, diminuindo o poder de compra de cada unidade monetária, isto é, tornando a moeda inflacionária. Além disso, a maior parte dos governos tem uma lei, chamada lei de curso forçado, que obriga os cidadãos daquele território a aceitarem apenas aquela moeda, pois a justiça só garante os contratos celebrados naquela moeda.
Já as criptomoedas, em especial o Bitcoin, tem uma oferta limitada (no caso do Bitcoin, chegará ao máximo de 21 milhões de bitcoins “emitidos”). Como para qualquer bem ou serviço, dada uma oferta fixa, ao aumentar a demanda por tal bem, o seu valor aumenta; o valor de uma moeda é o seu poder de compra. Assim, tudo o mais constante, se a demanda por Bitcoin aumentar, o seu poder de compra irá aumentar. É uma moeda nova (está para fazer 10 anos) e não tem nenhuma lei obrigando as pessoas a aceitarem, dependendo exclusivamente de sua reputação como unidade de conta, meio de troca ou reserva de valor.
Por que nós “investimos” em moedas digitais, e não “recebemos”, como o nosso dinheiro?
Veja, todo moeda é um ativo em potencial para ser investido. Quando nós compramos dólar, também pode ser considerado um investimento, pois esperamos obter uma valorização no momento em que formos vender (ou trocar por bens) no futuro. O bitcoin (e outras moedas digitais) também pode ser recebido como fruto de trabalho; você pode vender produtos e ou serviços, e cobrar em bitcoin (ou outras moedas digitais). Além disso, você também pode ser um intermediário, comprando aqui bitcoin aqui e vendendo ali, obtendo seu rendimento pela intermediação de moedas, como casas de câmbio. Ainda, há a necessidade de mineração de algumas moedas, pela qual as pessoas são remuneradas em bitcoins.
O bitcoin (ou qualquer moeda digital) ainda é uma “moeda” em formação, e tem grande potencial para ser uma moeda no futuro. No entanto, ele tem sido mais utilizado como investimento, esperando-se obter a diferença entre o preço de compra e o preço de venda (mais ou menos como as pessoas fazem com o dólar). Como disse, é possível sim você receber bitcoins (ou qualquer outra moeda digital) como pagamento pelo teu trabalho – aqui em Floripa, onde eu moro, conheço um restaurante e uma casa de hambúrguer que aceitam bitcoins como pagamento.
O que faz as moedas digitais se tornarem um investimento seguro e não uma bolha?
Essa é uma pergunta bastante capciosa. Se alguém andou por aí dizendo que é um investimento seguro, está bastante equivocado; nenhum investimento é 100% seguro. Mesmo ativos considerados livres de risco (os títulos das dívidas públicas soberanas) ainda contém um grau de risco, isto é, de os governos darem um calote e não quitarem essa dívida. As moedas digitais são investimentos arriscados, mas isso, por si só, não é nenhuma indicativo de bolha.
Bolhas se formam quando o preço de um ativo está descolado de seus rendimentos. No caso de uma moeda, não há fundamentos, como nas ações (os fundamentos de uma ação são os dividendos que ela paga, por exemplo). O preço subir rapidamente pode ser um sinal de bolha, mas se o volume de transações está acompanhando esse crescimento, então o aumento do preço (cotado em outras moedas, como Dólar ou Real) não é, necessariamente, uma bolha, como vi diversos economistas afirmarem.
Diversos indicadores devem ser analisados para começar a investir, para tentar minimizar o risco de exposição, e isso vale para qualquer ativo financeiro, seja ele uma criptomoeda, seja ele uma ação na Bolsa de Valores.
O que é Blockchain?
Blockchain é a tecnologia por trás do Bitcoin. É como se fosse um livro razão, em que todas as transações são gravadas nele. Uma vez minerado um bloco no Blockchain, não é mais possível voltar nele. Recomendo, fortemente, o livro do Fernando Ulrich, Bitcoin – Moeda na Era Digital. O Fernando é um dos maiores, senão o maior, especialista do Brasil em criptomoedas.
Como investir em moedas digitais?
É bem fácil. Basta abrir uma wallet (carteira) em alguma carteira disponível na internet. Cada carteira tem sua taxa própria, suas exigências próprias. Depois disso, você pode depositar dinheiro nelas (em Real ou em dólar, ou outras moedas), e começar a comprar bitcoins nas casas de câmbio que operam com moedas digitais. Você não precisa comprar um bitcoin inteiro, é possível comprar apenas uma fração, assim como em outras moedas digitais.
Quais os riscos que devem ser avaliados ao investir em moedas digitais?
Essa é uma pergunta difícil de responder, porque ela depende de cada indivíduo. Depende de por que você quer investir em moedas digitais. Se você tem pretensão de ganhar algum retorno rapidamente, aí vai o principal ensinamento da análise de investimentos: comprar na baixa para vender na alta. E para você saber se está comprando na alta ou na baixa, eu acredito que entender o funcionamento das moedas digitais, como se forma o preço de uma moeda, possíveis impactos das políticas dos governos, etc, são conhecimentos essenciais. Agora, se você acredita que moedas digitais são o futuro, e que no longo prazo elas terão uma valorização gigantesca, então entrar agora ou daqui a alguns dias, com o preço que for, pode ser irrelevante. É preciso ter consciência de que é um mercado recente e muito volátil, e que em pouco tempo, todo o seu dinheiro pode virar pó. Costumo dizer que o dinheiro a investir em moedas digitais deve ser um dinheiro que sobra, e não tirar dinheiro das coisas básicas para investir. Olhar alguns gráficos também é interessante, para se ter uma ideia do histórico.
Como economista, você acredita no futuro das moedas digitais?
Sim, acredito. Tanto que compro Bitcoins. Confesso que não comprei outras moedas digitais, por pura falta de tempo em estudar, e levei algum tempo estudando até começar a comprar Bitcoins. Qualquer análise sobre bitcoins deve ser levado em conta se o analista está com skin on the game, um conceito que o Nassim Taleb cunhou. Quer dizer se o analista está colocando a sua pele em risco, se ele está apostando naquilo que ele está analisando.
Acho que as moedas digitais são o futuro, para diminuir a sanha inflacionária dos governos, que ano após ano retiram o poder de compra, que atinge, principalmente, os mais pobres. Além disso, isso diminui também o poder do governo, e a sua arrecadação, obrigando-o ou a diminuir suas despesas e tamanho, (a alternativa seria a emissão de mais dívida, o que é freado pela possibilidade de total colapso da moeda e, até mesmo, do governo).
Fonte: Guilherme Bogo – https://www.linkedin.com/pulse/10-perguntas-que-fiz-para-um-economista-sobre-moedas-digitais-bogo