Sobre o coração, as lesões cardíacas contusas (LCC) são de longe mais frequentes do que as lesões penetrantes; isto ocorre possivelmente pela proteção oferecida pela caixa torácica.
Perceba também que a proteção supracitada pela caixa torácica implica que geralmente uma quantidade significativa de energia por trauma contuso é necessária para provocar uma LCC.
As colisões de veículo automotor são a causa mais comum. Outras etiologias incluem as lesões por impacto direto por explosões, acidentes ocupacionais, atividades recreativas, e até mesmo ressuscitação cardiopulmonar.
As formas típicas de LCC incluem as contusões cardíacas, rotura valvar, rotura atrial, rotura ventricular, rotura septal, herniação cardíaca e parada cardíaca.
As contusões miocárdicas são tipicamente assintomáticas, embora alguns pacientes podem desenvolver taquicardia ou arritmias. O lado direito do coração é mais frequentemente lesado desta maneira, por conta de sua proximidade anatômica com a parede anterior do tórax.
Os pacientes com rotura valvar tipicamente desenvolvem sintomas de insuficiência cardíaca, com a gravidade e início dependendo do grau da rotura; à ausculta, um sopro pode estar presente.
As grandes roturas atriais e ventriculares são geralmente rapidamente fatais; todavia, as roturas pequenas podem dar origem ao tamponamento cardíaco. A rotura septal é comumente assintomática inicialmente, e os indivíduos afetados desenvolvem insuficiência cardíaca posteriormente.
A herniação cardíaca é rara, ocorrendo em 0,4% dos casos de trauma contuso grave. Isto geralmente resulta em morte precoce, e o diagnóstico é baseado em achados da necropsia.
Acredita-se que a condição ocorra quando um impacto direto sobre o precórdio coincide com a fase vulnerável do ciclo cardíaco (i.e., a onda T do eletrocardiograma).
Não existe um padrão ouro para o diagnóstico de LCC em pacientes de trauma; eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma, enzimas cardíacas, e estudos de imagem, tais como radiografia de tórax, ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC), e ressonância magnética (RM) podem todos serem úteis.
Não há achados eletrocardiográficos que sejam patognomônicos para LCC; entretanto, a presença de uma arritmia deve levantar suspeita para esta hipótese; mais ainda, as alterações do segmento ST semelhantes a um infarto podem ser vistas em pacientes com contusão cardíaca.
As enzimas cardíacas (tais como troponina e creatina cinase-MB) são outra ferramenta útil de avaliação; a LCC é improvável em pessoas com níveis normais de enzimas cardíacas e com um ECG normal.
O ecocardiograma é essencial em todos os pacientes com suspeita de LCC; ele pode revelar anormalidades de movimento da parede, rotura valvar, rotura de câmaras, e coleções fluidas no pericárdio (i.e., sugerindo tamponamento).
Note que no âmbito da emergência, o FAST (sigla em inglês para Avaliação Direcionada do Trauma com Ultrassonografia) pode também ser útil para diagnosticar rapidamente o tamponamento cardíaco.
Ademais, em pacientes que estão estáveis hemodinamicamente, a tomografia computadorizada (TC) contrastada irá avaliar toda a região torácica, permitindo uma otimização do tratamento.
Os pacientes com LCC podem posteriormente necessitar de exames mais avançados, i.e., RM do coração para avaliar a extensão do infarto regional, disfunção valvar, anormalidades de movimento da parede e contusão do miocárdio; ou angiografia coronária para avaliar as artérias coronárias.
Perceba que a gravidade da LCC pode ser quantificada pela escala de lesão de órgão da Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AACT); ela define 6 graus de lesão, do I ao VI, dependendo dos critérios clínicos e ao ECG.
A maioria dos indivíduos requer somente o tratamento de suporte: ele inclui o tratamento de quaisquer arritmias ou insuficiência cardíaca. No entanto, quando a rotura atrial ou ventricular estiver presente, ou em caso de rotura valvar, o reparo cirúrgico é necessário.
Note que por conta da grande energia necessária que geralmente é necessária para provocar uma LCC, outras lesões também podem estar presentes, e, portanto, devem ser abordadas apropriadamente.
Deve-se lembrar também que esses doentes podem apresentar complicações tardias, dentro de dias a semanas após o evento agudo; elas incluem a disfunção valvar, rotura valvar franca por necrose dos músculos papilares, e tamponamento cardíaco tardio.
Em geral, a maioria desses pacientes possui um prognóstico excelente. As causas chave de morte incluem a rotura de câmaras, herniação cardíaca, e outras lesões associadas.