Noções básicas de matemática vetorial
Como lembramos de nosso passado no ensino médio, o vetor apresenta as seguintes características: (1) um comprimento (ou módulo), (2) uma direção, e (3) um sentido.
Em nosso estudo do ECG, torna-se importante compreender a projeção de um vetor sobre um eixo. Veja na figura abaixo como o vetor AB forma um ângulo q com o eixo r:
Teremos que o vetor ABx será a componente de AB segundo o eixo r, de medida algébrica igual a ABx = AB x cos (q).
Desse modo, observe que, se q = 90⁰, então cos (q) será igual a zero e, portanto, a projeção sobre o eixo r será nula. Nesse mesmo raciocínio, podemos perceber que quanto mais próximo do eixo de referência, menor a angulação do vetor, e maior sua projeção.
Bem, pode parecer um pouco sem sentido falar sobre matemática vetorial em um curso de ECG para médicos e acadêmicos, mas irá facilitar muito nosso estudo daqui para a frente. Após a discussão do sistema de condução cardíaco, podemos perceber que o impulso elétrico no coração percorre determinado caminho, com direção e sentido próprios (portanto, podemos visualizá-lo como uma grandeza vetorial). Já as diferentes derivações do ECG (próximo tópico que abordaremos) devem ser compreendidas como diferentes eixos de referência, de modo que um mesmo vetor (por exemplo: a ativação atrial) poderá ser visualizada por diferentes “pontos de vista”. Pode parecer um pouco confuso, mas não desanime! Já vamos conversar mais sobre isso.
Derivações Eletrocardiográficas
O ECG padrão consiste de 12 derivações, cada uma determinada pela colocação e orientação de vários eletrodos no corpo. Cada derivação vê o coração de um ângulo único, aumentando, às custas de outras, sua sensibilidade para uma região particular do coração. Quanto mais derivações, mais informações são fornecidas. A imagem abaixo faz uma alegoria a esses conceitos: três observadores têm três impressões diferentes do mesmo objeto. Se quisermos a melhor descrição do elefante, a quem deveríamos perguntar? Aos três, é claro!
Ao preparar o paciente para o exame, dois eletrodos são colocados nos braços e dois nas pernas; esses fornecem as bases para as seis derivações dos membros (são as derivações do plano frontal). Seis eletrodos também são colocados no tórax, formando as seis derivações precordiais.
As derivações dos membros incluem 3 derivações padrão (DI, DII e DIII) e 3 derivações aumentadas (aVF, aVR e aVL). Devemos entender que estas são obtidas de acordo com qual eletrodo é tido como positivo e qual é tido como negativo. Ao final, poderemos enxergar o plano frontal como um grande círculo sobreposto ao corpo do paciente, de modo que cada derivação apresentará determinado ângulo de orientação (é o “ponto de vista” específico daquela derivação), que poderá ser marcado em graus sobre este círculo. Observe nas imagens abaixo a forma de obtenção das derivações; se lembrarmos da direção dos eixos, poderemos mais facilmente memorizar seus ângulos.
Se sobrepusermos todas estas seis derivações (também chamadas de periféricas), obteremos o seguinte esquema:
Devemos imaginar as derivações como diferentes observadores de um mesmo fenômeno elétrico: a polarização e a despolarização cardíacas. O impulso, que pode ser entendido também como um vetor, “caminha” em determinada direção e sentido. Se este impulso, por exemplo, vai em direção à derivação DII, mas se afasta da aVR, será positivo na primeira e negativo na segunda (mas trata-se do mesmo fenômeno!). Neste mesmo raciocínio, aquela derivação que possui um trajeto (direção) mais próximo do impulso, será a que melhor o visualizará (a teoria consiste na projeção de vetores sobre um eixo). Para emendar tudo isso, pense na ativação atrial. O nó sinusal gera um impulso, e esse caminha até o nó AV. Se pensarmos no círculo sobre o peito do paciente, o impulso seria voltado para baixo e para a esquerda, correto? Em nossa figura, seria algo como:
Desse modo fica mais fácil entender porque a ativação atrial (representada pela onda P) é positiva em DII e negativa em aVR, num ritmo sinusal. Também podemos perceber porque a derivação DII é uma das melhores para o estudo deste vetor.
Ufa! Já falamos de muitas coisas até aqui; as informações podem parecer um pouco desconexas, mas voltaremos a falar de toda essa teoria quando abordarmos temas mais específicos dentro da interpretação eletrocardiográfica. São fundamentos essenciais para moldar a base de nosso aprendizado. Antes de terminarmos, gostaria que observasse o traçado a seguir, de um ECG normal, com especial atenção para o exemplo que utilizamos sobre a onda P. Outro ponto válido de nota: perceba que os traçados são diferentes entre si, mas todos são visualizações de um mesmo fenômeno elétrico, apenas com diferentes pontos de vista.
Bons estudos e até semana que vem!