O Conselho Federal de Medicina (CFM) é uma autarquia federal de direito público criada pela Lei nº 3.268/57, sendo parte do Estado Brasileiro e não um órgão corporativo da classe médica. Possui autonomia administrativa e financeira, pois toda a receita da instituição origina-se dos médicos brasileiros. Tem como objetivo essencial de sua existência garantir boa assistência médica à população brasileira. É dever da instituição apresentar aos governos propostas às políticas públicas, não por corporativismo de classe, mas pelo dever legal do qual é investido.
O CFM defende o atendimento integral à saúde do paciente, que deve obrigatoriamente ser feito por equipe multiprofissional, sendo o médico o profissional de maior responsabilidade, por ser de sua competência estabelecer o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. É fundamental, para que seja oferecida saúde de qualidade à população, que todos os profissionais componentes da equipe sejam bem formados, mas infelizmente a irresponsabilidade dos governos brasileiros nas últimas duas décadas comprometeu de forma desastrosa a formação do médico brasileiro, ao implantar uma política de abertura indiscriminada de escolas médicas no País.
Esta diretriz se acentuou particularmente com a presença do ministro Alexandre Padilha no Ministério da Saúde, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, que usou o argumento falacioso de que faltavam médicos no Brasil, que eles deveriam se fixar no interior e que, para isso, era necessário ampliar o número de médicos formados. Nada mais falso, pois todos os estudos mostram que escolas médicas não fixam médicos em nenhum lugar do mundo.
Assim, faculdades de medicina foram e continuam sendo abertas em cidades sem a menor infraestrutura que permita oferecer ensino de qualidade, pois estes locais não possuem atenção básica estruturada, hospitais ou médicos mestres e doutores para uma formação com qualidade.
Hoje, temos inacreditáveis 298 escolas no Brasil, o que compromete de maneira irreparável a qualidade de formação do médico brasileiro. O que temos presenciado no Brasil em relação à abertura de escolas médicas é algo sem precedentes no mundo.
Outro ponto que precisa ser esclarecido pelo Ministério da Educação (MEC) é o aumento do número de vagas em escolas médicas já existentes nos últimos 20 anos. No fim do ano passado o governo do presidente Michel Temer autorizou aumento de vagas para 20 cursos de medicina já existentes, possibilitando mais 1.601 ingressantes, que se somam a outras 623 vagas liberadas para este ano.
Reflexão que causa desconforto, mas que não temos como omitir, é o fato de que é impossível ignorar que o ensino médico é um negócio milionário, e que infelizmente se tornou tema de barganha entre os membros do Congresso Nacional e o MEC, pois a abertura de escola médica traz benefícios políticos para o parlamentar que conseguiu sua autorização. É estarrecedor que 70% das novas vagas criadas estão na rede particular, com mensalidades médias de R$ 6,8 mil, podendo chegar a inacreditáveis R$ 16 mil.
Esta abertura indiscriminada de escolas médicas e o aumento de vagas em faculdades de medicina já existentes tomam forma de verdadeira tragédia para a assistência médica à população quando confrontamos o número de médicos graduados, quando todas essas faculdades estiverem formando com as vagas de residência médica disponíveis. Estudos da Faculdade de Medicina da USP mostram que a vida profissional do médico no Brasil é de 44 anos. Assim, uma escola com 100 alunos coloca médicos no mercado de trabalho por este período, pois a 45ª turma só substituiria a 1ª, e assim por diante. Portanto esta escola colocaria 4,4 mil médicos no mercado de trabalho.
Existem no Brasil aproximadamente 30 mil vagas em escolas médicas, devendo atingir 35 mil com as escolas recentemente autorizadas e com o aumento do número de postos em escolas já existentes.
Atualmente, o País tem 444.070 médicos. No entanto, projeções mostram que em aproximadamente 40 anos o Brasil terá algo em torno de 1,5 milhão de médicos, número superior ao que existe, hoje, de técnicos de enfermagem.
Na contramão do absurdo número de médicos graduandos, temos o de vagas em residência médica praticamente estagnado, exceto para especialidades sem apelo para os médicos, por falta de políticas públicas que prestigiem estes especialistas, como a Medicina de Família e Comunidade, onde há uma grande expansão no volume de vagas, mas com 74% delas não preenchidas.
Esta desproporção entre o total de formandos e o de vagas disponíveis em residência médica fará com que um número cada vez menor de médicos se especializem naquele que é considerado o padrão-ouro de formação de médico especialista em qualquer país do mundo. Estes profissionais malformados entrarão no mercado de trabalho, principalmente nas áreas da atenção básica e na urgência e emergência, prenunciando-se uma verdadeira catástrofe na assistência à saúde da população brasileira.
O MEC divulgou recentemente uma moratória de cinco para abertura de novas escolas médicas no Brasil.
No entanto, a notícia veio acompanhada da informação de que antes serão cumpridos os editais do MEC nº 6/2014 e nº 1/2017, que autorizam a abertura de aproximadamente 1,5 mil vagas em novas escolas ainda a serem autorizadas.
O CFM defende a moratória para a abertura de novas escolas médicas no País pela necessidade de colocar um ponto final neste processo, que certamente trará consequências terríveis para a assistência à saúde da população.
No entanto, para que o CFM apoie a proposta do MEC, é fundamental que a moratória seja implantada de forma imediata, sem o cumprimento dos dois editais abertos e com o compromisso do Governo de que não será autorizada a expansão de vagas em escolas já existentes.
Formação de médicos é questão fundamental e essencial para a excelência na assistência à saúde. É chegada a hora de o MEC agir com responsabilidade em tema essencial para a sociedade e, junto com as entidades médicas, encontrar um caminho para a contenção de danos à população que esta política proporcionará.
Ao anunciar moratória fora das condições aqui colocadas, é atitude falaciosa em questão tão relevante para a população. Se esta proposta persistir mesmo diante de um cenário tão claro e de consequências catastróficas, resta-nos a indagação: a quem interessa a abertura de tantas escolas médicas no Brasil?
Fonte:
CFM