O JGP Health Care aplica o patrimônio dos cotistas em empresas não tão convencionais até para a área de saúde, ao preferir companhias que focam em doenças raras e complexas, muitas incuráveis ainda
Suy Anne Rebouças Martins, gestora na JGP — Foto: Divulgação
É comum ver no mercado financeiro pessoas formadas em administração de empresas, engenharia, contabilidade, economia, até direito e relações internacionais, mas medicina é algo mais raro. O que algumas gestoras estão percebendo é que para fazer a seleção e gestão de fundos temáticos, contar com pessoas que entendem não apenas de números, mas também do negócio em si ajuda muito. Isso já é mais comum em fundos de investimentos de private equity e venture capital, mas agora está chegando também para mais os “financeiros”, como os de ações.
Foi por isso que Suy Anne Rebouças Martins, formada em medicina pela Universidade Federal do Ceará, com residência em oftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo, pós-doutorado em oftalmologia pela Johns Hopkins University e mestrado em finanças pela mesma instituição, foi parar na gestora JGP.
Em 2020, ano em que a ciência ganhou um desafio extra com o coronavírus, o fundo já acumula alta de 56,61% até agosto, em reais, e 11,84% em dólar – em ambas as comparações, bem acima de seu índice de referência, o MSCI World Health Care.
“Para investir em biotech [empresas que usam tecnologia no setor de saúde] tem que entender de biomedicina, desenvolvimento de drogas, pesquisa e outras tantas coisas. Escolhi analisar doenças mais sérias e complexas para aproveitar minha experiência com mais de 30 anos em medicina e pesquisa cientifica”, diz a gestora.
Foram muitos anos de experiência em medicina, pesquisa clínica e pré-clínica, doutorado, pós-doutorado e PhD, e mais dez anos no mercado financeiro. Antes de se juntar à JGP em 2017, Suy era responsável pela cobertura do setor de saúde nos Estados Unidos. Foi analista de empresas, cobrindo o setor de biotecnologia na Burrill & Company (2012) e de health care na Rodman & Renshaw Capital Group (2011–2012), ambas com sede em Nova York. Anteriormente, Suy foi analista de empresas na WBB Securities LLC (2010–2011), na cidade de Clark, New Jersey.
A paixão pelas finanças nasceu durante o período que ficou nos EUA. Diferentemente do Brasil, as escolas de lá estimulam os alunos a empreenderem ou fazerem parcerias com a iniciativa privada. Por isso, o contato com fundos de investimentos, empreendedores, empresas e acesso a conhecimento sobre gestão e finanças é mais comum.
Foi assim que ela conheceu a área investimentos em saúde (health care) e decidiu, depois de fazer alguns cursos pontuais, se aventurar em um mestrado em Finanças em 2008, incentivada por três mentores do segmento, os acadêmicos e analistas de biotecnologia Mark Schoenebaum (considerado o melhor analista do setor e que faleceu em 2019), Kris Jenner e Mark Bussard.
“Enfrentei diversas barreiras, o fato de não ser americana foi uma delas. O patriotismo lá é grande. O mercado americano também é bem competitivo e concorrido, é preciso ser muito persistente e resiliente para conseguir entrar e ficar”, conta.
Ela explica que, desde quando começou a fazer pesquisas durante ainda os tempos de Medicina, ela percebia sua inclinação por gestão. Ao mesmo tempo não queria simplesmente abandonar todo o conhecimento adquirido em biotecnologia e saúde. Quando entrou para o time de análise da JGP em 2013, Suy começou como analista global – sua experiência fora do país pesava a favor. Mas na primeira oportunidade, em 2015, ela colocou na mesa seu projeto de criar um fundo voltado para biotecnologia, área ainda pouquíssimo explorada no Brasil.
Ela se refere, por exemplo, a Philippe Prufer, um dos principais responsáveis por recuperar financeiramente a farmacêutica Eli Lilly e hoje CEO e sócio do family office SKP; e a médica Alexandra Prufer, docente do programa de pós-graduação em medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e da pós graduação em Saúde Materno Infantil da UFRJ, além de ser investigadora principal de pesquisa clínica em doença neuromuscular desde 2011. Ambos são bem próximos de Suy e das decisões de investimentos do fundo – são membros do comitê de investimentos.
Com apoio de Arlindo Vergaças, diretor executivo e um dos sócios fundadores da JGP, e com investidores dispostos a por dinheiro no projeto, o fundo saiu, então, do papel em 28 de março de 2016. De lá para cá acumula 117,2% de retorno até o fim de setembro (contra 134% do MSCI World Health Care), sendo 76,7% só nos últimos 12 meses (ante 60,2% do índice de referência).
Das ações do setor de saúde na bolsa de valores brasileira, nenhuma é diretamente associada a pesquisa e desenvolvimento de tratamentos de doenças, vacinas ou medicamentos – são companhias voltadas ao serviço, como operadoras de planos e hospitais. Por isso, desde o início o JGP Health Care já nasceu internacional. era preciso caçar as oportunidades lá fora e disso a Suy já era expert.
Todas as empresas da carteira são de fora do Brasil, em especial EUA e Europa. “Os EUA é o mercado que me sinto mais confortável porque foi onde vivi e aprendi a analisar companhias. No Brasil não temos quase empresas de saúde e as de biotecnologia nem estão na bolsa”, diz Suy.
A opção pela alta diversificação (papéis de 80 companhias) é por uma razão óbvia: a grande volatilidade e risco dessas companhias, que dependem de eventos binários – um tratamento que dá ou não certo, uma droga que é ou não aprovada, um equipamento que funciona ou não e por aí vai.
“Os motores da indústria são resultados de estudos clínicos, patentes, aprovação de drogas e, por isso, não é incomum ver ação caindo 50% em um dia e subindo 315% pouco tempo depois. Não posso me dar ao luxo de ter poucos ativos no portfólio. A avaliação de cada empresa é feita no detalhe e por isso é uma análise demorada.
Mas a seleção não é algo óbvio: o foco principal do fundo é escolher empresas que tenham pesquisas sendo desenvolvidas na área de doenças sérias, complexas e mais raras, algumas incuráveis hoje. Ou seja, são menos conhecidas e direcionadas a nichos terapêuticos específicos.
Um exemplo dado por ela são as companhias que trabalham em cima da doença fibrose cística, uma doença genética crônica que danifica pulmões e sistema digestivo. Uma das empresas investidas pelo fundo é a farmacêutica Vertex Pharmaceuticals, que recebeu em 2019 a aprovação do órgão de saúde americano Food and Drug Administration (FDA) para a venda do Trikafta, remédio para tratamento de pacientes com fibrose cística. A empresa já tinha outros medicamentos no mercado para esta finalidade. As ações da companhia, em um ano chegaram a valorizar 18%, mas o gráfico é bem montanha-russa, chegou de altos e baixos.
Para chegar nas empresas e escolher em quais aplicar, ela conta basicamente com a ajuda de Philippe Prufer e Alexandra Prufer, além da extensa rede de contatos que fez quando morou nos Estados Unidos. “Estamos em processo de aumentar a equipe agora”, conta a gestora.
Hoje o fundo conta com um patrimônio pequeno, de R$ 100 milhões, mas deve entrar no radar das divulgações da JGP em breve. Por ser um produto bem específico, passou por ajustes na estratégia de gestão nos últimos anos, mas agora já tem um histórico significativo para ser mais divulgado.
“Quando começamos o fundo houve discussão sobre qual deveria ser o público, se deveria ser só para profissionais de saúde, como médicos, que entendem os riscos do negócio, mas eu acredito que não. Apesar de médicos saberem do medicamento, efeitos colaterais e eficácia, investimento é muito além disso e esse fundo é muito volátil”, explica a gestora.
A JGP, então, preferiu focar na oferta do JGP Health Care para grandes investidores, em especial family offices, que tenham espaço no portfólio para este perfil de investimento e que topem arriscar mais.
Mas, diante do interesse de algumas plataformas de investimentos, em especial por causa da pandemia e a ascensão do setor de saúde, a casa avalia distribuí-lo também por estes canais. Mesmo assim, por ser um produto exposto à moeda, com ativos no exterior e arriscado, só mesmo os grandes investidores, qualificados e institucionais, poderão aplicar.
“O maior reconhecimento pela atuação da medicina e da saúde chamou a atenção de muita gente. Recebi três telefonemas de gestores querendo montar fundos de biotech e minha recomendação foi ‘não faça’. Eu estou há 30 anos fazendo isso, participei na teoria e na prática de todas as atividades, reuniões semanais para debater artigos científicos, não é uma área fácil. É uma indústria de extremos, em que ações descem de elevador e sobem de escada muitas vezes”, pontua.