Técnicas atômicas ajudam a entender os danos oxidativos em cabelos descoloridos
Abusca pela beleza dos cabelos, como o uso de procedimentos químicos para descolori-los, por exemplo, tem seu preço – e ele é alto! O processo promove danos oxidativos na estrutura dos fios, deixando-os mais fracos, quebradiços e com menor capacidade de retenção de água (se tornando mais hidrofílico). Com o objetivo de compreender como isso ocorre a nível molecular, pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP e da Universidade de Copenhague, da Dinamarca, realizaram testes em mechas de cabelos descoloridos utilizando uma técnica atômica chamada espalhamento de nêutrons.
“Entender como acontece essa degradação em nível atômico nos auxilia a entender mais sobre as alterações na fibra capilar descolorida, o que fornece mais dados para o desenvolvimento de novas linhas de produtos pela indústria cosmetológica”, informa ao Jornal da USP a engenheira química e doutora em ciências, Cibele de Castro Lima.
Os experimentos fazem parte do projeto de pós-doutorado de Cibele, realizado em 2020, no IF, sob a supervisão do professor Cristiano Luís Pinto Oliveira, da mesma faculdade.
De acordo com a pesquisadora, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial do mercado de beleza e cuidados pessoais, ficando atrás somente dos Estados Unidos, China e Japão.
A técnica de espalhamento de nêutrons é um método da física nuclear que possibilita penetrar em profundidade na estrutura da matéria e verificar todos os movimentos atômicos e moleculares”, explica a professora Heloisa Nunes Bordallo, do Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhague, Dinamarca, uma das autoras da pesquisa. “E considerando que o cabelo humano é composto por vários elementos químicos e interligações — carbono, oxigênio, nitrogênio, hidrogênio e enxofre — o método possibilitou estudar as alterações na dinâmica da água, dos lipídeos e proteínas e as interações desses elementos com hidrogênio”. “As proteínas do cabelo se unem umas às outras por meio de ligações de hidrogênio, pontes dissulfeto (S-S), que une dois átomos de enxofre, e ligações iônicas que, juntos, são responsáveis pela forma e resistência mecânica dos fios”, acrescenta.
Os experimentos mostraram que, no processo de descoloração, as ligações químicas que continham moléculas de hidrogênio se tornaram mais flexíveis e se moviam mais livremente. “Essa mobilidade é que está ligada à degradação de proteínas e lipídeos que conferem hidrofobicidade [capacidade de repelir a água] aos fios e à quebra de ligações dissulfeto associadas a propriedades mecânicas do cabelo, como força e elasticidade”, explica Cibele. Quando o cabelo perde essa camada de proteção [lipídeos e proteínas], eles ficam ressecados, frágeis e com “frizz”, aquela aparência de arrepiado, como quando se vai à praia.
O trabalho está descrito no artigo Human hair: subtle change in the thioester groups dynamics observed by combining neutron scattering, X-ray diffraction and thermal analysis, publicado em novembro de 2020 no The European Physical Journal Special Topics.
Diminuição de ácidos graxos (18-MEA)
Cibele explica que, com base na literatura científica, já era de conhecimento que a descoloração removia parte dos lipídeos e das proteínas da superfície da fibra para que os agentes químicos pudessem penetrar no cabelo e realizar a mudança na cor. Contudo, até o momento, não se sabia como o procedimento químico alterava as moléculas hidrogenadas em níveis moleculares.
“A maior mobilidade verificada em nossos estudos foi causada pela ‘quebra’ de ligações presentes na fibra capilar, como, por exemplo, no ácido 18-metil eicosanóico (18-MEA), um lipídio importante que possui como principal função conferir o caráter hidrofóbico à fibra capilar”, diz. O 18-MEA é um ácido graxo de cadeia carbônica longa, ligado à camada mais externa da cutícula, e que funciona como um lubrificante protetor dos cabelos. Ele é o mais comprometido pela descoloração.
As amostras de cabelos foram adquiridas de uma empresa norte americana, reconhecida internacionalmente na área de pesquisa por ter certificação de procedência de que seus produtos e a garantia de que não foram previamente submetidos a nenhum tipo de tratamento de transformação química. Os fios eram castanho escuro e de origem caucasiana (cabelos de raiz e comprimentos lisos).
Cibele conta que as mechas de cabelos foram enviadas ao Laboratório STFC Rutherford Appleton em Oxfordshire, Reino Unido, sob a supervisão da professora Heloisa Bordallo, que já vinha trabalhando com técnicas experimentais e computacionais como o espalhamento de nêutrons, raios X e radiação síncrotron.
As partículas de nêutrons são produzidas por um processo de fusão nuclear e, no Brasil, somente o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), sediado no campus da Cidade Universitária, em São Paulo, possui reatores que geram vários tipos de isótopos radioativos (estrôncio-89, samário-153, iodo-131 e feixes de nêutrons), que são distribuídos para todo Brasil para uso em diversas áreas: medicina, indústria e agricultura.
Porém, as análises das mechas de cabelos tiveram que ser feitas no Reino Unido porque, mesmo detendo o conhecimento da técnica, o Brasil não possui equipamentos que fazem o espalhamento de nêutrons para fazer as análises da estrutura capilar, como explica a professora Heloisa.
Reparação e condicionamento: cuidado constante
Cibele lembra que a indústria cosmética brasileira se destaca no desenvolvimento de produtos de alta tecnologia (como a nanotecnologia) indicados para o tratamento de cabelos dos mais variados tipos.
Ela diz que é importante o cuidado constante para a reparação e condicionamento da fibra capilar descolorida, sendo que, para isso, devem ser escolhidos produtos que reponham a massa proteica e lipídica perdida pelo desgaste causado pelo tratamento químico da descoloração.
Algumas matérias primas com as quais são feitos os produtos cosméticos possuem a capacidade de permear a fibra capilar (atingir o córtex) e melhorar a resistência mecânica, elasticidade e fragilidade e outras permanecem mais na superfície ou entre as camadas de cutícula, finaliza a pesquisadora.
Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/tecnicas-atomicas-ajudam-a-entender-os-danos-oxidativos-em-cabelos-descoloridos/