Recentemente lançado pelo Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o Boletim Epidemiológico de Tuberculose Drogarresistente (TBDR) apresenta um panorama epidemiológico da enfermidade no Brasil e chama a atenção para os desafios no controle e enfrentamento à doença em meio a pandemia. Os indicadores revelam redução no número de casos de TBDR diagnosticados em 2020 e 2021, em comparação com 2019, em decorrência do cenário da Covid-19.
Para marcar a data, o Castelo da Fiocruz será iluminado de vermelho nesta quinta-feira (24/3), Dia Mundial de Combate à Tuberculose (foto: Peter Ilicciev)
Baseado em dados do Sistema de Informação de Tratamentos Especiais da Tuberculose (SITETB), o documento analisa os principais indicadores epidemiológicos entre casos notificados, no período entre 2019 e 2021, no Brasil e no Centro de Referência Professor Hélio Fraga, com ênfase no contexto social e demográfico, envolvido no adoecimento e manejo da tuberculose drogarresistente no país. Quanto ao padrão de resistência, o Boletim destaca que os casos resistentes ao antibiótico Rifampicina e multirresistentes representaram a maioria entre os notificados. Embora abaixo do preconizado, o sucesso terapêutico foi mais frequente na maior parte dos casos, em ambas as realidades analisadas.
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa e transmissível, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, que afeta prioritariamente os pulmões, embora possa acometer outros órgãos e sistemas. A doença ainda persiste como um grave problema de saúde pública no Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 465 mil pessoas foram recentemente diagnosticadas com TB resistente aos medicamentos em 2019. Destas, mais de 60% não conseguiram obter acesso ao tratamento.
Em 2021, o Brasil registrou 68.271 casos novos de TB. Em 2020, foram notificados cerca de 4,5 mil óbitos pela doença. Com a chegada da pandemia, a eliminação da TB como problema de saúde pública mundial ficou ainda mais distante, em função da redução de 25% no diagnóstico e do aumento de 26% da mortalidade pela doença no mundo.
Panorama da Tuberculose Drogarresistente no Brasil
De acordo com o Boletim, entre 2019 e 2021, foram notificados 3.848 casos de TBDR no Brasil. Com a chegada da pandemia de Covid-19 em março de 2020, foi observada queda acentuada no diagnóstico e tratamento de casos da doença no país, quando comparado a 2019.
No período, o Rio de Janeiro foi a Unidade da Federação com a maior proporção de casos (23,4%), seguido de São Paulo (16,8%) e Rio Grande do Sul (9,5%). Entre as capitais brasileiras, as maiores proporções foram identificadas nas cidades do Rio de Janeiro (14,8%), São Paulo (7,0%) e Manaus (6,0%).
No que diz respeito à proporção de casos de tuberculose drogarresistente notificados, segundo sexo e faixa etária no Brasil em 2019, os indicadores revelam maior proporção em indivíduos do sexo masculino em todas as faixas etárias, com maior concentração entre homens nas faixas etárias economicamente ativas de 30 a 39 anos e 40 a 49 anos, cada um correspondendo a 15,9%.
Entre os casos de TBDR notificados no país de acordo com a autodeclaração de raça ou cor de pele, as maiores proporções foram observadas entre os pardos (50,7%), brancos (30,3%) e pretos (16,6%). Na variável escolaridade, houve predomínio de casos de TBDR entre aqueles com 4 a 7 anos de estudo (39,4%), seguido daqueles com 8 a 11 anos (24,4%) e 1 a 3 anos (13,4%).
No que se refere à forma clínica de apresentação dos casos de TBDR no Brasil em 2019, a maioria foram casos pulmonares (95,7%), formas mistas (2,6%) e extrapulmonares (1,7%). Quanto ao tipo de entrada dos casos, 74,8% foram casos novos de TBDR, seguido de reingresso após abandono (13,1%) e casos de falência do tratamento (7,5%).
Ao analisar o padrão de resistência dos casos de TBDR, os indicadores mostram que 900 (66,1%) dos casos apresentaram resistência à Rifampicina ou multirresistência; 351 (25,8%) monorresistência a apenas um antibiótico, exceto rifampicina; 102 (7,5%) polirresistência; e 9 (0,7%) resistência extensiva.
Quanto ao perfil do tipo de resistência (primária ou adquirida) dos casos notificados de TBDR, os dados indicam um equilíbrio nas proporções de acordo com o tipo de resistência. A maior proporção observada no Brasil foi do tipo adquirida (49,6%) e primária (48,5%). Ao analisar os tipos de resistência por UF e região, observou-se uma distribuição heterogênea dos perfis, com maiores proporções de resistência primária nas UF das regiões Sul e Sudeste.
Os indicadores também revelam uma proporção de 52,4% de sucesso terapêutico (tratamento completo + curado) entre os casos novos de TBDR no Brasil em 2019, seguida por 28% de abandono, 5,7% de falência e 5,6% de óbito por tuberculose. O Estado de Goiás e Rondônia apresentaram as maiores proporções de abandono. Já as maiores proporções de sucesso terapêutico foram reportadas nos estados do Amapá, Acre e Mato Grosso do Sul.
O Boletim ainda mostra que, entre os casos de TBDR da coorte de tratamento de 2019 no Brasil, 16% testaram positivo para HIV, com destaque para a não realização do exame sorológico para HIV em 15,3% dos casos notificados. É obrigatória a realização da testagem anti-HIV em todos os pacientes com diagnóstico de TB.
Situação epidemiológica da TBDR no CRPHF da Ensp/Fiocruz
Entre 2019 e 2021, foram notificados e acompanhados no Ambulatório de Pesquisa Germano Gerhardt (APGG), do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, um total de 230 pacientes com tuberculose drogarresistente. A unidade é referência terciária modelo no atendimento dos casos de TBDR, microbactérias não causadoras de tuberculose (MNT) e tuberculoses especiais. O ambulatório abrange o município do Rio de Janeiro, parte da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro e municípios do centro-sul fluminense. Esse ano o APGG recebeu o importante selo de certificação da qualidade da Organização Nacional de Acreditação (ONA).
Assim como no panorama nacional, foi observada queda acentuada dos diagnósticos de casos de TBDR durante os anos pandêmicos de 2020 e 2021. Em 2019, foram acompanhados no ambulatório 97 pacientes com TBDR. A maioria foi do sexo masculino (64,9%), com destaque para aqueles com 60 ou mais anos e 40 a 49 anos, 13,4%, respectivamente. Entre os casos de TBDR notificados no ambulatório, as maiores proporções de autodeclaração de raça ou cor da pele foram observadas entre os pardos (48,5,7%), pretos (27,8%) e brancos (23,7%).
No que diz respeito ao perfil do tipo de resistência (primária ou adquirida) dos casos notificados de TBDR no APGG em 2019, foi identificada maior proporção do tipo adquirida (58,8%), seguida de primária (41,2%). Ao analisar os padrões de resistência dos casos de TBDR, os indicadores revelam maiores proporções entre aqueles com resistência à Rifampicina ou multirresistência (66%), seguido de monorresistência (17,5%), polirresistência (12,4%) e resistência extensiva (4,1%). Em 2019, no ambulatório, foi observada proporção de positividade para sorologia HIV de 11,3%, abaixo do observado no Brasil, sendo que 20,6% dos casos não realizaram o exame.
Ainda em 2019, no ambulatório, observou-se uma das maiores proporções de sucesso terapêutico entre as unidades de referência terciária do Brasil (64,9%). O abandono do tratamento representou 21,6%, e a falência 7,2%.
“Frente os enormes desafios para o controle da doença durante o período pandêmico de Covid-19, o boletim epidemiológico visa subsidiar os Programas de Controle da Tuberculose, bem como profissionais de saúde, gestores, pesquisadores e a sociedade civil, com informações pertinentes sobre a problemática da tuberculose drogarresistente. Nesse sentido, com este boletim epidemiológico, pretende-se contribuir para uma melhor vigilância epidemiológica dos casos e gestão da assistência e prevenção”, concluem os pesquisadores.
Fonte: https://agencia.fiocruz.br/fiocruz-traca-panorama-da-tuberculose-drogarresistente-na-pandemia