Texto elaborado por Heitor Alvito – acadêmico do quinto período de medicina da UFRJ e diretor da Liga Acadêmica de Psiquiatria.
Você acha que a relação entre os médicos e os pacientes poderia ser melhor? Isso seria capaz de influenciar na qualidade de nossos serviços de saúde? A formação do estudante de medicina gera médicos preparados para lidar com a população?
A realidade da faculdade de Medicina impõe aos estudantes mudanças radicais em seu estilo de vida. Dentre eles, uma alta proporção está sofrendo com várias doenças mentais. Entre elas destacam-se: Ansiedade (31%); Depressão (30,6%); Burnout (13.1%); Abuso de álcool (32.9%); Baixa qualidade de sono (51,5%) e Sono durante o dia (46,1%). A incidência de Suicídios entre os estudantes de medicina é 4 a 5 vezes maior que a média da população na mesma faixa etária, sendo considerado como grupo vulnerável e suscetível ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas e distúrbios emocionais relacionados à formação médica.
O contato íntimo e frequente com a dor e sofrimento, lidar com a intimidade corporal e emocional do outro, o atendimento de pacientes gravemente doentes ou terminais, e o enfrentamento da morte tornam a graduação em medicina especialmente angustiante.
O currículo do curso médico e suas atividades associadas exigem dedicação, havendo pouco espaço para tempo livre. Soma-se isso ao excesso de conteúdo ministrado, a quantidade exorbitante de disciplinas a serem estudadas e a busca incessante por atividades complementares que supram as deficiências acadêmicas e emocionais dos alunos.
Não bastasse o peso da formação acadêmica em si, o perfeccionismo é característica comum aos estudantes de medicina, que comumente apresentam histórico pessoal de sucesso e bom desempenho escolar, gerando uma tendência em estabelecer padrões elevados de qualidade. A possibilidade do erro gera preoucapação e insegurança, podendo levar os alunos a competições excessivas e dificuldades em lidar com as exigências internas.
Fadiga, cansaço, perda da liberdade pessoal, constante pressão, falta de orientação, excessiva cobrança por parte dos supervisores, falta de tempo para lazer, família, amigos, necessidades pessoais, obsessão pelo trabalho técnico, dificuldade de adaptação à universidade, frustrações relacionadas ao curso, dificuldades inerentes à relação professor-aluno e médico-paciente, são fatores estressantes comuns durante a graduação. Tudo isso leva o estudante a diminuir suas horas de sono, alimentar-se de forma inadequada, abrir mão de atividades físicas e convívio social.
Além disso, em algumas situações, a dificuldade de relacionamento com os professores é apontada como geradora de angústia. São frequentes conflitos interpessoais entre estudantes e professores, em situações que se assemelham àquelas relatadas por pacientes em relação à falta de escuta por parte do seu médico em que o médico inibe a capacidade de expressão do paciente ao desqualificar sua fala.
Na maior parte das escolas médicas, a ênfase na avaliação dos aspectos cognitivos e a prioridade dada às avaliações somativas, com caráter de prêmio ou punição aos examinandos, tem contribuído para uma imagem negativa das práticas de avaliação e tem provocado distorções na educação dos estudantes. O uso mais extensivo de modalidades formativas e a escolha judiciosa de métodos mais adequados, válidos e fidedignos, podem contribuir para restaurar as funções educacionais mais genuínas da avaliação do estudante de Medicina. Na situação atual, o resultado é a formação de um estudante que, nos semestres finais do curso, dispõe de conhecimentos sobre as diferentes áreas biomédicas, mas apresenta deficiências no relacionamento com o ser humano que tem à sua frente.
O impacto dessas condições na vida do estudante pode afetar a sua capacidade de organizar suas demandas, gerenciar o tempo de horas de estudo socializar e ter uma boa performance acadêmica, uma vez que a empatia e o profissionalismo podem ser prejudicados. A avaliação abrangente do estudante de Medicina poderia cobrir os aspectos cognitivos, as habilidades e as competências práticas necessárias ao exercício da profissão, bem como as atitudes e as características pessoais dos alunos.
Estudantes que trabalham com PBL (Problem-based-learning) reportaram estarem mais satisfeitos com a sua qualidade de vida do que aqueles que têm um currículo tradicional. Tal percepção pode estar atrelada à quantidade de tempo livre que eles têm para dedicar ao estudo, na maior autonomia com o gerenciamento do tempo, e no primeiro contato com o paciente, promovendo sentimentos de utilidade e engajamento. Através do aprimoramento do currículo informal, com atividades que os alunos constroem espontaneamente como a iniciação científica, monitorias e ligas, os alunos do curso de medicina agregam habilidades e práticas que cooperam para a melhoria do cuidado de pacientes e para a sua sensação de utilidade e engajamento com a faculdade.
Em um estudo que comparou estudantes brasileiros e americanos demonstrou-se que os brasileiros possuem maiores índices de depressão e estresse, principalmente devido diferenças socio-culturais, infraestruturas e curriculares. Além disso os estudantes americanos em geral eram mais velhos, as salas de aulas possuíam metade dos alunos em comparação com as brasileiras, e o primeiro contato com o paciente ocorria mais cedo.
Outra diferença importante é que as escolas americanas oferecem apoio médico e psicológico para estudantes sem custos dentro do campus e suporte essencial para prevenir identificar e tratar condições que podem ter impacto na qualidade de vida do estudante sua performance acadêmica.
Quando a temática em questão é a forma de se relacionar com o paciente ou com o familiar, o ensino parece limitar-se apenas à demonstração, por parte do professor, da conduta a ser adotada, prescindindo de orientações verbais. Acredita-se, assim, que essa aprendizagem implícita é a forma de transmitir as normas de conduta da relação médico-paciente e que a formação médica consiste numa ação muito mais ampla do que aprender conhecimentos relativos a processos biológicos e terapêuticos; ela “envolve a compreensão de regras sobre sentimentos, erros e manuseio de nossas falhas; em outras palavras, está relacionada à aquisição de caráter e identidade de médico.
Acredita-se que uma compreensão melhor dos fatores identificados como geradores de angústia entre os estudantes de Medicina possa vir a colaborar para o melhor desempenho no processo de humanização dos cursos de Medicina.
Fontes:
1. João P. Pacheco,Henrique T. Giacomin, Wilson W. Tam,Tássia B. Ribeiro, Claudia Arab,Italla M. Bezerra,Gustavo C. Pinasco. Mental health problems among medical students in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2017;00
2. Giancarlo Lucchetti1 & Rodolfo Furlan Damiano2 & Lisabeth F. DiLalla3 &
Alessandra Lamas Granero Lucchetti1 & Ivana Lúcia Damásio Moutinho1 & Oscarina da Silva Ezequiel1 & J. Kevin Dorsey4 ; Cross-cultural Differences in Mental Health, Quality of Life, Empathy, and Burnout between US and Brazilian Medical Students. July 2017; Academic Psychiatry 2017
3. IFMSA BRAZIL POLICY STATEMENT
SAÚDE MENTAL DO ESTUDANTE DE MEDICINA . Novembro de 2016, Fortaleza, Ceará
4. Tempski et al.: What do medical students think about
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12:106.
Autor: Rafael Kader.
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Dezembro 10, 2023