Dando continuidade ao post “Gasometria Arterial: técnica de coleta”, vamos discutir um pouco sobre as principais informações obtidas neste exame, assim como sua interpretação.
Interpretação da Gasometria Arterial
Dando continuidade ao post “Gasometria Arterial: técnica de coleta”, vamos discutir um pouco sobre as principais informações obtidas neste exame, assim como sua interpretação.
Para começarmos, observe a tabela abaixo. Nela, estão as referências de valores dos principais parâmetros obtidos pela gasometria (é importante memorizá-los). Os comentários contem a teoria básica que irá direcionar nosso raciocínio nas próximas etapas.
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Valores Normais |
Comentários |
pH plasmático |
7,35 – 7,45 |
O ph é determinado pela relação entre o bicarbonato (é a base do sistema) e o dióxido de carbono (o ácido). Este é o sistema tampão bicarbonato-CO2, conforme a fórmula: HCO3– + 2O H+ ↔ H2CO3 ↔ CO2 + H
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pCO2 |
35 – 45 mmHg |
O aumento da concentração plasmática do ácido (CO2) reduz o pH, ou seja, acidifica o sangue, pois libera H+. |
HCO3 real |
22 – 26 mEq/L |
O aumento da concentração plasmática da base eleva o pH, isto é, alcaliniza o sangue, pois consome H+. |
Base Excess (BE) |
– 3,0 a + 3,0 mEq/L |
Se o BE for maior que + 3,0, significa que o organismo está retendo bases; se menor que – 3,0, significa que o organismo perdeu bases. |
Tendo em mente as referências acima, iremos sistematizar nossa interpretação por meio de alguns passos simples. Vamos lá!
Passo 1: Observe o pH. Está normal, ácido ou alcalino?
Primeiro item que devemos observar: se existe alcalose ou acidose. Mas atenção: um pH normal pode representar a existência de dois distúrbios que se contrabalançam (alcalose e acidose ao mesmo tempo, os chamados distúrbios mistos).
Passo 2: Qual o distúrbio acidobásico que justifica esse pH?
Para responder a essa pergunta, observamos os valores da pCO2 e do HCO3. Um pH ácido pode ser justificado por um aumento da pCO2 (acidose respiratória) ou pela redução do HCO3 (acidose metabólica).
Já um pH alcalino pode ser justificado pela redução da pCO2 (alcalose respiratória) ou pelo aumento do HCO3 (alcalose metabólica).
Chegamos então à nomenclatura básica dos distúrbios acidobásicos. Observe:
pH < 7,35 |
↑ pCO2 |
Acidose Respiratória |
pH < 7,35 |
↓ HCO3< /p> |
Acidose Metabólica |
pH > 7,45 |
↓ pCO2 |
Alcalose Respiratória |
pH > 7,45 |
↑HCO3 |
Alcalose Metabólica |
A pCO2 é controlada, basicamente, pela ventilação pulmonar, ao passo que, o manejo do bicarbonato é uma função renal. Desse modo, os sistemas tendem a produzir uma resposta compensatória, objetivando evitar grandes variações no pH plasmático.
As alterações metabólicas produzem uma resposta pulmonar imediata, seja hipo (retém CO2) ou hiperventilação (elimina CO2). Já a compensação renal demora cerca de 3 dias para ocorrer, sendo observada, portanto, apenas nos distúrbios crônicos. De posse dessa informação, vamos ao passo seguinte.
Passo 3: O distúrbio respiratório é agudo ou crônico?
Para isso, basta analisar o HCO3 standard (não é o real, apesar dos valores de referência serem os mesmos) ou o base excess (BE). Nos distúrbios agudos (maior gravidade), estes parâmetros estão dentro da faixa normal (os rins ainda não tiveram tempo suficiente para se adaptarem), enquanto nos distúrbios crônicos, apresentam-se quase sempre alterados.
Passo 4: Existe um distúrbio misto?
Para isso, devemos saber qual seria a resposta compensatória esperada para cada distúrbio. Explicando melhor: sabendo, por exemplo, qual seria a variação esperada da pCO2 diante de uma acidose metabólica, podemos descobrir se a alteração observada é apenas uma resposta compensatória à perda de bases pelo rim ou se existe, ao mesmo tempo, também um distúrbio respiratório. Observe as fórmulas abaixo:
Distúrbio Primário |
Resposta Compensatória Esperada |
Acidose Metabólica |
pCO2 esperada = (1,5 x HCO3) + 8 |
Alcalose Metabólica |
pCO2 esperada = HCO3 + 15 |
Acidose Respiratória Crônica |
HCO3 aumenta 4 mEq/L para cada 10 mmHg de aumento da pCO2. |
Alcalose Respiratória Crônica |
HCO3 diminui 5 mEq/L para cada 10 mmHg de redução da pCO2. |
Bem, tudo muito confuso à primeira vista… Mas não desanime! Vamos dar alguns exemplos, aproveitando para discutir alguns pontos teóricos importantes. Vamos lá!
Gasometria 1: pH = 7,52 / pCO2 = 20 mmHg / HCO3 = 16 mEq/L
Primeiro observamos o pH. Está acima da referência de 7,45. Trata-se, portanto, de uma alcalose. Esta alteração pode ser justificada por uma redução da pCO2 ou por um aumento do HCO3. Nesse caso, o valor fora de referência que justifica o pH alcalino é o da pCO2. Trata-se, portanto: Alcalose Respiratória.
Gasometria 2: pH = 7,30 / pCO2 = 27 mmHg / HCO3 = 13 mEq/L
O pH está baixo, com HCO3 baixo. É uma Acidose Metabólica. Lembre-se que as alterações no outro componente (no caso, a pCO2 baixa) ocorrem por um mecanismo compensatório. Uma dica: a resposta compensatória é sempre no mesmo sentido do distúrbio primário (redução com redução e aumento com aumento).
Gasometria 3: pH = 7,36 / pCO2 = 36 mmHg / HCO3 = 20 mEq/L
Em casos como esse, observamos um pH ainda na faixa aceitável, porém no limite da normalidade. E também podemos notar uma pequena alteração no HCO3. Trata-se, então, de um distúrbio ácido básico leve, no caso, uma Acidose Metabólica.
Gasometria 4: pH = 7,80 / pCO2 = 20 mmHg / HCO3 = 30 mEq/L
Percebemos um pH alcalino muito alterado. Quando olhamos os parâmetros nos deparamos com duas alterações responsáveis pela alcalose: uma diminuição da pCO2 e um aumento do HCO3. Trata-se, portanto, de uma Alcalose Mista. Nesses distúrbios, o pH costuma estar bastante alterado.
Gasometria 5: pH = 7,42 / pCO2 = 19 mmHg / HCO3 = 12 mEq/L
Estamos diante de um caso de pH normal, mas com os valores de pCO2 e HCO3 bastante alterados. Nesse caso, uma Alcalose Respiratória (pCO2 baixa) ocorre ao mesmo tempo que uma Acidose Metabólica (HCO3 baixo), de modo que os dois distúrbios se equilibram, mantendo o pH normal.
Lembre-se: a resposta compensatória (excetuando-se os distúrbios leves) nunca é completa, ou seja, não corrige o pH para a faixa normal. Quando estamos diante de um pH normal e, ao mesmo tempo, amplas variações da pCO2 e do HCO3, com certeza existe um distúrbio acidobásico misto.
Gasometria 6: pH = 7,11 / pCO2 = 32 mmHg / HCO3 = 10 mEq/L
Analisando o pH e o valor do HCO3, poderíamos dizer que estamos diante de uma acidose metabólica. Entretanto, a resposta compensatória foi aquém do esperado. Se utilizarmos a fórmula da pCO2 esperada, obteríamos um valor de 23 mmHg. Concluímos, portanto, que existe também um outro distúrbio associado, responsável por um valor de pCO2 maior que o esperado. Trata-se, portanto, de um distúrbio misto (Acidose Metabólica + Acidose Respiratória).
Gasometria 7: pH = 7,34 / pCO2 = 80 mmHg / HCO3 = 42 mEq/L /
HCO3 standard = 37 mEq/L / BE = + 5,0 mEq/L
Estamos diante de uma Acidose Respiratória. O HCO3 standard está aumentado e o base excess mostra retenção de bases. Conclusão: o distúrbio é crônico. Como o pH encontra-se normal, podemos afirmar que se trata de uma Acidose Respiratória Crônica Compensada.
Gasometria 8: pH = 7,25 / pCO2 = 100 mmHg / HCO3 = 44 mEq/L /
HCO3 standard = 37 mEq/L / BE = + 5,0 mEq/L
Agora, nesse exemplo, também notamos uma Acidose Respiratória crônica. Entretanto, perceba como o pH está bem abaixo da normalidade. Trata-se, portanto, de uma Acidose Respiratória Crônica Agudizada. É o que se observa, por exemplo, em pacientes com DPOC retentores crônicos de CO2 descompensados por algum motivo, como uma infecção respiratória.
Igor Torturella