1. A investigação na fase aguda do AVC
Diante da suspeita clínica de AVC, sua confirmação é necessária, através de alguns exames:
– Tomografia computadorizada do crânio (TC): realizada prontamente; repetida em 24-48 h caso não sejam evidenciadas alterações no exame inicial ou de evolução insatisfatória. Identifica a natureza isquêmica ou hemorrágica, informa a extensão e topografia da lesão
– Ressonância magnética encefálica (RM): com espectroscopia, ou ponderada para perfusão ou difusão; positividade maior que da TC nas primeiras 24 horas para AVC isquêmico (AVCI).
– Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR): suspeita de hemorragia subaracnóidea (HSA) com TC negativa e de vasculites inflamatórias ou infecciosas. Angiografia cerebral: HSA ou acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH) de etiologia desconhecida.
– Exames sanguíneos emergenciais: hemograma, glicose, creatinina, uréia, eletrólitos, gasometria arterial, coagulograma.
– AVCI em jovem ou sem etiologia definida: avaliação laboratorial completa para processos auto-imunes, arterites, distúrbios da coagulação, perfil genético, malformação e dosagem de homocisteína.
– Antes da alta hospitalar: Doppler de carótidas e vertebrais; eletrocardiograma; radiografia de tórax e ecocardiograma com Doppler transtorácico ou transesofágico.
2. Controle da pressão arterial
– Embora a hipertensão arterial (HA) ocorra frequentemente na fase aguda do AVCI, existe muita controvérsia no seu manejo.
– A HA nesta fase do AVC decorre de diversos fatores: estresse da doença aguda, dor e náuseas.
As recomendações para o controle da PA na fase aguda do AVC, segundo o preconizado pelo Acute Stroke Collaboration e American Heart Associationestão resumidos na Tabela 1.
*labetalol não existe no Brasil e se usa o nitroprussiato.
– Em pacientes candidatos à terapêutica trombolítica recomenda-se seguir o protocolo do NINDS rt-PA Stroke Study Group, sumarizado na Tabela 2.
– A hipotensão arterial, embora incomum na fase aguda do infarto cerebral, pode ter efeitos deletérios sobre os déficits neurológicos. Dessa forma, o combate à hipovolemia e à falência cardíaca são medidas prioritárias nessa situação.
3. Controle da glicemia
– Há relativo consenso de que hiperglicemia (glicemia > 120 mg/dL) é deletéria na fase aguda do AVC. O diabetes pode piorar o prognóstico do AVC por favorecer o desenvolvimento de complicações clínicas no curso da doença.
– Recomenda-se:
a) Pesquisar diabetes em todo paciente em que se detecte hiperglicemia;
b) Monitorizar a glicemia nas primeiras 48 a 72 horas em todo paciente com AVC agudo;
c) Evitar soluções parenterais de glicose; tratar causas adicionais de hiperglicemia (como o uso de esteróides ou infecção); hipoglicemia (dar glicose hipertônica em pacientes com glicemia menor que 70 mg%).
d) Doses isoladas de insulina regular sempre que os níveis glicêmicos excedam 180 mg/dL.
4. Controle da temperatura
– A hipertermia deve ser tratada adequadamente, pois pode exacerbar a lesão neurológica.
– A hipotermia moderada (33-34°C) tem sido empregada para diminuir o edema cerebral e o efeito de massa pelo infarto cerebral, contudo deve ser realizada somente em serviços com unidades de tratamento intensivo e pessoal altamente especializado.
5. Hiperventilação
– Controverso na fase aguda do AVC, principalmente se a pressão intracraniana for > 35 mmHg.
– A hiperventilação é conduta de emergência, sendo efetiva e recomendada no controle inicial de pacientes cujas condições estejam deteriorando secundariamente à hipertensão
intracraniana aguda (Glasgow < 8).
– Deve ser mantida enquanto se associam outras medidas terapêuticas.
– Os parâmetros utilizados são:
PCO2 entre 25 e 30 mmHg; pressão expiratória final positiva no máximo entre 10 e 12 cm H2O.
6. Hemodiluição
– Controverso, não recomendado quando houver desidratação, anemia, insuficiência renal, infarto agudo do miocárdio, angina instável, insuficiência cardíaca descompensada e edema cerebral.
– Útil na isquemia secundária ao vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea.
7. Antiagregação plaquetária
– Tratamento da fase aguda do AVCI, limita a extensão do dano tecidual e previne a recorrência precoce, diminui a morbidade e mortalidade associadas a outras doenças vasculares concomitantes.
– Considerado no tratamento agudo e prolongado do AVCI ou ataque isquêmico transitório (AIT) de etiologia aterotrombótica e lacunar.
– AVCI cardioembólico, deve-se optar por anticoagulação com heparina e warfarina.
– A droga de escolha é o ácido acetil-salicílico (AAS), sugerimos a utilização de 200mg a 500mg ao dia. Outras opções apenas para a prevenção secundária.
8. Anticoagulantes: heparina
– Controverso.
a) Devido à falta de estudos bem desenhados sobre a segurança e eficácia da heparina no tratamento da fase aguda do AVC, não é possível fazer recomendação para a maioria dos casos.
b) Nos casos de AVC cardioembólico em que o risco de recidiva precoce é maior que o risco de hemorragia, a anticoagulação precoce pode ser indicada.
O esquema posológico para uso da heparina está exposto na Tabela 3.
– Concomitantemente à heparina, deverá ser iniciado anticoagulante oral (Warfarina sódica), em dose necessária para se atingir um “International Normalized Ratio” (INR) entre 2 e 3. Neste momento a heparina deverá ser suspensa.
9. Trombolíticos
– A estreptoquinase endovenosa não deve ser usada por causa dos altos índices de hemorragia e mortalidade por hemorragia.
– O uso do ativador do plasminogênio tissular (rtPA) IV, deve ser usado no AVCI agudo nas primei
ras 3 horas.
I. Critérios de inclusão
a) AVCI;
b) possibilidade de se estabelecer precisamente o horário do início dos sintomas;
c) possibilidade de se iniciar a infusão do rt-PA dentro de 3 horas do início dos sintomas;
d) TC de crânio sem evidência de hemorragia ou outra doença de risco;
e) idade superior a 18 anos;
f) paciente ou familiar responsável capacitado a assinar termo de consentimento informado.
II . Critérios de exclusão
a) uso de anticoagulantes orais ou TP>15 segundos (INR>1,7);
b) uso de heparina nas últimas 48 horas e TTPa elevado;
c)AVC ou traumatismo crânio-encefálico (TCE) grave nos últimos 3 meses;
d) história pregressa de alguma forma de hemorragia cerebral (HSA, AVCH);
e) TC de crânio mostrando evidências de hemorragia ou edema cerebral em desenvolvimento;
f) PA sistólica >185 mmHg ou PA diastólica >110 mmHg;
g) sintomas melhorando rapidamente;
h) déficits neurológicos leves, isolados, como ataxia isolada, perda sensitiva isolada, disartria isolada, ou fraqueza mínima;
i) coma ou estupor;
j) cirurgia de grande porte ou procedimento invasivo dentro das últimas 2 semanas;
k) hemorragia geniturinária ou gastrintestinal nas últimas 3 semanas;
l) punção arterial não compressível ou biópsia na última semana;
m) coagulopatia com TP, TTPa elevados, ou plaquetas 3;
n) glicemia 400 mg/dl;
o) crise convulsiva precedendo ou durante a instalação do AVC;
p) evidência de pericardite ativa, endocardite, êmbolo séptico, gravidez recente, doença inflamatória intestinal, ou lactação;
q) abuso de álcool ou drogas;
r) escala de AVC do National Institute of Health (NIH) > 22
– O tratamento trombolítico exige controle rigoroso da PA (vide sessão 3 deste consenso, Tabela 2).
– As complicações hemorrágicas pelo uso de trombolíticos frequentemente ocorrem nas primeiras 24 horas da terapia.
10. Antiedematosos
– O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, e mantido por um período de 10 dias, com um mínimo de 5 dias.
– O glicerol pode ser usado por via oral (a 20% ou 30%) ou intravenosa (a 10%), na dose de 1 a 1,5 g/Kg/d.
– O manitol (a 20%), droga de segunda escolha, pode ser utilizado por via endovenosa na dose de ataque de 1g/kg de peso, seguido por dose de manutenção de 0,25 a 0,5 g/kg de peso a cada 4 horas.
11. Ataque isquêmico transitório
– O ataque isquêmico transitório pode preceder o AVC isquêmico.
– Alguns fatores que podem identificar o paciente de maior risco são: idade avançada, AIT “crescendo”, estenose significativa da artéria carótida, doença cardíaca associada, fibrilação atrial de início recente, fonte cardioembólica definida e AIT hemisférico.
– A internação hospitalar é justificada para acelerar a investigação clínica. Os exames deverão ser realizados para avaliar a necessidade de tratamento específico, como a anticoagulação ou endarterectomia, e reduzir a possibilidade de AVCI.
– A recomendação para o uso dos medicamentos preventivos (antiagregantes plaquetários e anticoagulantes) nos pacientes com AIT é a mesma adotada nos pacientes com AVC isquêmico.
12. Trombose venosa cerebral
– Enquanto não existirem meios de determinar qual paciente terá evolução benigna o tratamento de escolha é a heparina(Tabela 3) seguido por anticoagulantes orais por tempo variável de três a seis meses.
– O anticoagulante oral de escolha é a warfarina sódica.
– As heparinas de baixo peso molecular podem ser opções, sendo nadroparina 0,6ml SC 2 vezes ao dia ou enoxiparina 60mg SC 2 vezes ao dia.
– Em caso de hipertensão intracraniana, pode-se usar manitol, acetazolamida (250mg VO 3 vezes ao dia), punções lombares repetidas, ou derivação ventrículo-peritoneal.
13. Manejo clínico da hemorragia subaracnoidea
a) prevenção do ressangramento;
b) prevenção do déficit neurológico isquêmico tardio (vasoespasmo cerebral) .
– Para se evitar estas complicações: dieta adequada; repouso no leito; controle hidroeletrolítico rigoroso; analgesia e sedação sempre que necessárias; controle da PA (não existe consenso sobre o adequado manejo dos níveis de PA nestes doentes. Reduções drásticas da PA são contra-indicadas. Pode-se indicar hipotensores quando houver evidência de lesões de órgãos alvo ou quando a PA média estiver acima de 125mmHg).
– A nimodipina é recomendada para a prevenção da isquemia cerebral relacionada com HSA. A dose deve ser de 60mg por via oral a cada 4hs. Monitorização hemodinâmica invasiva.
– Terapia anticonvulsivante profilática pode ser empregada por curto período; a droga escolhida é a fenitoína. Nos pacientes que desenvolvem sintomas clínicos de vasoespasmo cerebral, nos quais o aneurisma já esteja clipado ou ocluído, recomenda-se a utilização da terapia hiperdinâmica.
Fonte: Projeto Diretrizes, associação médica brasileira e Concelho Federal de Medicina;
Acute Stroke Collaboration , American Heart Association