Experimente ficar parado na posição em que você está agora por duas horas, movendo apenas os olhos, os dedos das mãos e dos pés e minimamente o pescoço. Você não tem força suficiente para conseguir levantar o quadril, mudar de lado ou mesmo mudar um membro inteiro de posição. Em alguns minutos começa a ficar desconfortável. Depois começa a dor…
Quantos são os pacientes que diariamente vemos restritos ao leito, sejam crianças ou idosos com graves quadros neurológicos ou pacientes com doenças crônicas avançadas e síndromes consumptivas? Alguns conseguem se queixar da dor através de gemidos, choro ou agitação. Outros somente conseguem exibir fácies de dor: sobrancelhas franzidas, dentes cerrados, contração dos músculos da face… Fatores indiretos também podem ser observados, como aumento da frequência cardíaca, do esforço respiratório, da pressão arterial, dificuldade para dormir e irritabilidade.
Quantas vezes nos preocupamos mais com medicações específicas como antibióticos e anti-hipertensivos, deixando de lado os analgésicos ou colocando subdoses, horários sem cobertura e drogas com mecanismos de ação inadequados para aquele tipo de dor?
Os EUA passam por uma crise de consumo excessivo de opioides. Uma hipótese aventada para tal crise foi o lobby realizado pelas indústrias farmacêuticas desde o começo da década de 90 de que o uso de opioides apresenta baixo risco e está associado à efetividade e manejo fácil, principalmente em situações de dor crônica (1). Porém, sabemos que a dor não possui apenas componentes físicos.
O conceito de dor total que envolve aspectos físicos, psicológicos, sociais, espirituais e emocionais vem sendo discutido desde os anos 60 por Cicely Saunders (2). A análise de cada aspecto associada ao controle dos estímulos físicos, reduz o risco de abuso de substâncias, bem como atua na indicação correta dos opioides, assim como no uso adequado de outras medicações associadas.
Para conseguirmos otimizar o tratamento da dor total, é preciso identificar as características da dor, como localização, intensidade, fatores que intensificam e aliviam, além de possíveis causas. Importante também identificar o impacto que a dor causa na qualidade de vida do paciente, como restrições motoras e suas implicações nas atividades do dia a dia e relações familiares, prejuízo nas funções fisiológicas como sono, hábito intestinal, atividade sexual, tratamentos já utilizados para o controle da dor, bem como possíveis transtornos psiquiátricos prévios – uso de álcool/drogas, depressão, ansiedade, distúrbios de personalidade…
O papel da equipe multiprofissional, nesse caso, é fundamental! Psicólogos identificando os aspectos psico-emocionais, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais auxiliando na relação entre o corpo do paciente e o ambiente, além de reabilitação físico-mental, serviço social otimizando as relações do paciente com a sociedade, médicos e farmacêuticos buscando controlar os efeitos colaterais e interações medicamentosas, e várias outras áreas a depender do quadro clínico de cada paciente.
Sempre que estiver diante de um paciente é importante buscar entender a dor que o incomoda, através da anamnese, do exame físico, do diálogo e da empatia. Ao nos colocarmos no lugar do outro podemos antecipar situações futuras, observando mecanismos que nem foram referidos pelo paciente, mas que causam desconforto e podem ser amenizados, como, por exemplo, uma dose de analgésico antes da fisioterapia que ele recusara-se a fazer antes.
Analisar cuidadosamente o quadro clínico-emocional-social do paciente é o caminho mais preciso para identificar o tratamento certo para sua dor, minimizando abusos de substâncias e aliviando seu sofrimento. Não deixemos ninguém sentir dor desnecessariamente.
Naira Costa Balderramas
Fonte:
Academia Médica