Quando você entra na faculdade de medicina uma das primeiras coisas que as pessoas perguntam é: “Você já teve aula de anatomia?” ou então, “Já viu alguma cirurgia?“.
A cada fase do curso aparece alguma dificuldade diferente. E somos sempre confrontados a nos desafiar. O desafio de lidar com a morte por exemplo, vai ser um exercício frequente e rotineiro tanto na vida acadêmica quanto no futuro, como médicos. E não apenas a morte, mas também, o desafio de lidar com pacientes com doenças de prognóstico muito ruim, como doenças crônicas, incuráveis, degenerativas, ou incapacitantes.
Você já pensou em como dar uma má notícia?
Como dizer, por exemplo, a um paciente que ele tem um câncer terminal?
Ou mesmo, como comunicar a morte de um ente querido aos familiares?
No caso de uma doença com prognóstico muito ruim, por exemplo, ou mesmo um câncer, que já tem todo um estigma por detrás da doença, a forma como o médico dá a notícia ao paciente e à família é quase que decisiva na forma como o paciente vai encarar a doença depois, ou seja, na forma como ele vai lidar com o tratamento, etc. Por isso é tão importante o cuidado na hora de comunicar, sendo acima de tudo: humano.
Talvez você possa se perguntar: será que é possível aprender como dar más notícias?
Geralmente, durante a faculdade nós temos algumas aulas sobre isso. Mas, na verdade, algumas coisas nós só aprendemos mesmo na prática, na vivência. Por mais que alguém te fale, ou ensine algumas técnicas, quando você se depara com uma situação difícil, parece que as palavras “somem”, e a mente fica em branco.
Provavelmente muitos de nós vamos nos deparar pela primeira vez com situações como essa quando estivermos no internato ou na residência. E então, o que fazer?
Nesse texto: Learning to Break Bad News a médica Kendra Campbell conta como foi a primeira vez, ainda como interna, quando ela teve que dizer a um paciente sobre o diagnóstico de câncer pancreático avançado – uma doença com um prognóstico e uma taxa de sobrevivência extremamente ruins:
“Meu primeiro pensamento foi: ‘Alguém vai ter que dizer ao paciente que ele tem câncer no pâncreas.’ Esse pensamento foi imediatamente seguido por ‘essa pessoa sou eu!’ Eu era, na verdade, a médica do paciente. Sim, meu residente e assistente estavam lá para me apoiar, mas eu era a única responsável pelos cuidados básicos, e era a minha função fornecer-lhe informações sobre o seu diagnóstico.
Ocorreu-me que, antes de entrar na sala do meu paciente, eu precisava revisar meu conhecimento sobre câncer no pâncreas. Sim, eu sabia um pouco da faculdade de medicina, mas eu estava com medo de que ele pudesse me fazer uma pergunta que eu não soubesse a resposta, então eu fui na internet e refresquei meu conhecimento de base.
Enquanto eu entrei em seu quarto, algumas das orientações que eu tinha aprendido na escola de medicina flutuaram em torno da minha cabeça. No entanto, a maioria dessas informações voou para fora da minha mente e foi substituída por apreensão sobre o que eu estava prestes a fazer. Eu, em última análise, segui muitas das estratégias que eu tinha aprendido: me certifiquei que a cortina estava puxada, para a privacidade, por exemplo, e perguntei ao paciente o que ele tinha entendido até agora sobre sua condição.
E então, eu disse isso em palavras simples: ‘Você tem câncer no pâncreas.’ Ele recebeu a notícia melhor do que eu tinha imaginado. Discutimos o prognóstico e várias opções de tratamento. A certa altura, as lágrimas brotaram em seus olhos, e eu instintivamente dei-lhe um lenço de papel. Ele pediu que eu também compartilhasse a notícia com a família, por isso, acabei tendo também uma conversa com eles ao telefone. A experiência não foi tão horrível como eu tinha imaginado, mas definitivamente não foi uma tarefa fácil ou agradável.”
É possível perceber no relato dela, alguns passos que fazem parte do protocolo criado pelo médico britânico-canadense e autor Robert Buckman. De acordo com Buckman, uma “má notícia” é definida como qualquer informação que “drasticamente e negativamente altera a visão do paciente sobre seu futuro”. Percebendo a importância dessa habilidade de comunicação para a prática médica, ele desenvolveu um protocolo de seis passos sobre como “dar más notícias”:
- Getting started.
O ambiente médico da conversa deve ter privacidade, com ambos, médico e paciente confortavelmente sentados. Você deve perguntar para o paciente quem mais deve estar presente, e deixar o paciente decidir. Pode ser útil começar com uma pergunta do tipo: “Como você está se sentindo agora?” para indicar ao paciente que essa conversa vai ser em “duas mãos”. - Finding out how much the patient knows.
Fazer perguntas como: “O que já te falaram sobre sua doença?” para entender o que o paciente sabe sobre sua condição. E ainda saber o quanto o paciente entendeu sobre aquilo que lhe foi dito, o nível de linguagem técnica, e o estado emocional do paciente. Eles podem responder, por exemplo: “O médico me disse sobre uma mancha no meu peito no Raio-X”, ou se for um paciente com um maior conhecimento técnico: “Eu tenho um adenocarcinoma”, e sobre o estado emocional: “Eu estava tão preocupado com a possibilidade de ter um câncer, que eu não tenho dormido há uma semana”. - Finding out how much the patient wants to know.
É útil perguntar ao paciente também o quanto ele quer saber, qual o nível de detalhes que você deve prover. Por exemplo, você pode dizer: “Alguns pacientes querem que eu diga tudo sobre a doença, todos os detalhes médicos, mas outros querem apenas uma visão geral, o que você prefere agora?”. - Sharing the information.
Decida na consulta, antes de sentar com o paciente, o quanto você tem de informações relevantes à mão. Os tópicos a considerar no planejamento da consulta são: diagnóstico, tratamento, prognóstico, suporte/apoio ou enfrentamento, como lidar com isso. Embora, uma consulta apropriada nesse momento, terá geralmente como foco um ou dois tópicos. Para um paciente em um serviço médico cuja biópsia mostrou apenas o câncer de pulmão, o planejamento da consulta pode ser: a) informar o diagnóstico de câncer de pulmão; b) discutir o processo de preparação e formulação de opções de tratamento. Você pode dizer, por exemplo: “Os médicos especialistas, sobre câncer, irão vê-lo esta tarde para ver se outros testes seriam úteis, para delinear suas opções de tratamento”. Além disso, é importante dar as informações em pequenas partes, e não se esqueça de parar entre cada parte e perguntar ao paciente se ele está entendendo: “Eu vou parar por um minuto para ver se você tem perguntas”. No primeiro momento, o paciente não será capaz de assimilar muitas informações, é preciso algum tempo para digerir e processar o recebimento de uma notícia ruim, por isso, falas muito longas são esmagadoras e confusas, é preciso saber ouvir. Lembre-se também de traduzir os termos médicos, e não tente ensinar fisiopatologia. - Responding to the patient’s feelings.
Se você não entende a reação do paciente, você deixará muita coisa inacabada, e irá perder a oportunidade de ser um médico atencioso. Aprender a identificar e reconhecer a reação dos pacientes é algo que definitivamente melhora com a experiência, se você for atento, cuidadoso. Ou, você pode simplesmente perguntar: “Você pode me dizer um pouco sobre o que você está sentindo?”. - Planning and follow-through.
Neste ponto, você precisa sintetizar as preocupações do paciente e as questões médicas num plano concreto que pode ser realizado no sistema de saúde do paciente. Esboce um plano passo-a-passo, explicando ao paciente, e dizendo também qual será o próximo passo. Seja explícito sobre o seu próximo contato com o paciente: “Eu vou vê-lo na clínica em 2 semanas”. Dê ao paciente um número de telefone ou uma maneira de entrar em contato com o médico que ficará responsável, se algo surge antes do próximo contato planejado.
Por fim, alguns médicos afirmam que saber dar más notícias é uma habilidade inata, que não pode ser adquirida de outra forma. De fato, o bom senso, a empatia e a humanização, tão necessários nesses momentos, são características geralmente intrínsecas da personalidade de cada um. Mas, aprender como dar más notícias também pode ser adquirido com o tempo. Médicos que são bons em conversar sobre diagnósticos/prognósticos difíceis com seus pacientes, geralmente relatam que essa é uma habilidade que teve de ser duramente trabalhada para ser aprendida.
Na verdade, essas dicas são apenas um roteiro, uma forma de orientar, sobre o que fazer e o que não fazer, e que podem ser aprendidos durante a faculdade. Mas na prática mesmo, o que acaba prevalecendo são a empatia, e a experiência que vai sendo adquirida com o tempo.
Texto retirado de:
https://academiamedica.com.br/blog/como-dar-mas-noticias