Em 1791, Benjamin Rush, considerado o pai da psiquiatria norte-americana cunhou uma frase que ajudou a fundamentar o conceito de dependência química: “beber começa como um ato de vontade, caminha para um hábito e finalmente afunda na necessidade”. Já nesta época, o autor propunha medidas comunitárias para controle do uso do álcool, uma vez que já considerava o seu uso um problema de saúde pública. Atualmente a dependência de álcool é um dos transtornos mentais mais prevalentes na sociedade, tendo este um caráter crônico, associado a recaídas e responsável por inúmeros prejuízos clínicos, sociais, trabalhistas, familiares e econômicos.
No Brasil, dados coletados pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), mostraram que a prevalência de uso de álcool em 2005 foi de 74,6%, enquanto que a de dependência de álcool foi de 12,3%. Mesmo assim, a dependência de álcool é subdiagnosticada. O diagnóstico, assim como o tratamento, quando realizados, são muitas vezes tardios, piorando prognóstico e propiciando a falsa idéia de que pacientes dependentes raras vezes se recuperam.
O uso nocivo e a dependência de álcool trazem diversos comprometimentos ao sujeito. Este padrão disfuncional acarreta em diversos problemas de caráter interpessoais, psicológicos, e até por vezes legais. Intoxicações agudas estão muitas vezes associadas a comportamentos sexuais de risco, agressividade, labilidade de humor, diminuição de julgamento crítico, aumento de comportamentos suicidas, além de poderem, em casos mais graves, ocasionar depressões respiratórias, coma e, mais raramente, morte. Já em pacientes dependentes de álcool, são comuns sintomas como alucinose alcoólica, delirium tremens, períodos de abstinências graves, além de outros quadros clínicos de longo prazo, como cirrose hepática, pancreatite, cardiomiopatia e demência alcoólica.
A prevalência de transtornos relacionados ao uso de álcool entre os profissionais de saúde é extremamente variável, ainda não sendo possível afirmar se esta é mais elevada ou não nestas categorias profissionais. Um estudo alemão de 2009, por exemplo, evidenciou que um terço dos estudantes médicos e profissionais de saúde apresentavam comportamento problemático associado ao uso de álcool. Já outro estudo de 2004 apontou menor uso de bebidas alcoólicas nessa população quando comparado a população geral.
Além das diferentes prevalências, aparentemente existem diferenças no padrão de uso da substância entre os profissionais. Dentistas, por exemplo, aparentemente consomem mais álcool do que outros profissionais de saúde, no entanto, o impacto do uso é maior em enfermeiros. Outro dado observado foi a associação entre o aumento do uso e a idade do profissional, estando os mais velhos mais susceptíveis a usos danosos de álcool.
Os dados referentes a dependência de álcool em profissionais de saúde ainda são, portanto, controversos e escassos, sendo necessário um aumento de estudos nesta área. Estes profissionais desempenham um papel educativo importante em saúde, servindo muitas vezes como modelos para um estilo de vida saudável. Já foi observado, por exemplo, que médicos com estilo de vida pouco saudáveis podem oferecer a seus pacientes conselhos menos eficazes sobre estes assuntos do que colegas mais preocupados com a saúde. Isto mostra a importância de se estudar temas como dependência de álcool e outras substâncias nessa população.
Referências:
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