A toxoplasmose é uma doença parasitária encontrada principalmente nos países tropicais. Sua infecção não apresenta sintomas na grande maioria dos casos, porém está associada a grande morbidade durante a gestação.
Seu agente etiológico, o protozoário Toxoplasma gondii, é um parasita com ciclo biológico de duplo hospedeiro. No gato ocorre o ciclo reprodutivo, sendo desta maneira o hospedeiro definitivo. Outros mamíferos e aves são hospedeiros intermediários, abrigando o ciclo proliferativo.
O Toxoplasma apresenta três estágios principais de desenvolvimento. Os taquizoítos causam lesão tecidual na infecção aguda, com multiplicação rápida. Os bradizoítos formam os cistos teciduais persistindo no hospedeiro por muitos anos. Os esporozoítos são as formas eliminadas nas fezes dos felinos
A transmissão da toxoplasmose pode ocorrer pela ingestão de oocistos por contato direto com fezes de gato ou manipulação de água ou alimentos contaminados. Também pode ocorrer por ingestão de cistos teciduais em carnes cruas ou malcozidas.
Além das vias supracitadas, ainda pode ocorrer a transmissão vertical transpacentária. Esta ocorre quando a mulher apresenta infecção aguda durante a gestação. Ela pode gerar seqüelas graves ao feto como: surdez, cegueira e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
TOXOPLASMOSE CONGÊNITA
A transmissão vertical ocorre principalmente na fase aguda da doença, com a parasitemia materna. Os taquizoítos infectam e se multiplicam na placenta, chegando a circulação fetal. Outra forma de transmissão seria a reativação da doença em gestantes com infecção crônica pelo toxoplasma e imunossuprimidas.
O risco de infecção fetal e a gravidade do acometimento estão relacionados a idade gestacional na infecção aguda materna. No início da gravidez a infecção é menos freqüente, mas pode levar ao abortamento ou seqüelas graves. O período entre 10 e 24 semanas é considerado de maior risco.
As principais alterações fetais são: ventriculomegalia, microcefalia, calcificações intracranianas, hepatoesplenomegalia, ascite, catarata, hidropsia e intestino ecogênico. O quadro clínico é encontrado em um terço dos casos e a ausência de alterações ultrassonográficas não exclui a doença.
Em relação aos recém-nascidos, a maioria não apresenta sintomas ao nascimento. Em grande parte das crianças afetadas as seqüelas são tardias, sendo a mais comum retinocoroidite que acomete até 70% dos infectados.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico depende do rastreamento sorológico durante o pré-natal. Ele é realizado com os testes imunoenzimáticos (ELISA) para a detecção de IgG e IgM contra Toxoplasma gondii.
Devido à grande taxa de falsos-positivos do ELISA para IgM, pode-se realizar também a sorologia confirmatória pela pesquisa de IgM por imunofluorescência indireta (IFI).
Na prática clínica pode-se encontrar gestantes suscetíveis (IgM e IgG negativos) e gestantes imunes (IgG positivo e IgM negativo). Além dessas, pode ocorrer soroconversão, quando uma gestante suscetível apresenta no seguimento sorológico IgM e IgG positivos.
Casos suspeitos em que a gestante apresente IgM e IgG positivos na primeira sorologia, pode-se tratar de uma infecção aguda ou crônica, pois o IgM pode permanecer positivo por mais de um ano após a infecção. Nestes casos é preciso realizar testes para definição do quadro.
Dos testes para definição nos casos suspeitos pode-se realizar titulação seriada de IgG em 3 semanas. O aumento significativo dos títulos é sugestivo de fase aguda. Além deste, pode-se realizar o teste de avidez de IgG, a presença de anticorpos de alta avidez é sugestivo de doença há mais de 12 semanas.
A transmissão vertical é confirmada pela realização de amniocentese entre 17 e 32 semanas, realizando-se a pesquisa do DNA do toxoplasma por PCR no líquido amniótico. Indicado em todos os casos de soroconversão materna ou sinais ultrassonográficos de infecção fetal.
PROFILAXIA E TRATAMENTO
O uso da Espiramicina em gestantes no quadro agudo de toxoplasmose pode reduzir em até 50% a transmissão vertical. Portanto, todas as gestantes com diagnóstico de infecção aguda ou aguardando confirmação devem receber a profilaxia.
Em gestantes suscetíveis com quadro clínico sugestivo de doença aguda, rash cutâneo e/ou linfadenomegalia, deve ser solicitada sorologia e introduzida espiramicina até a confirmação diagnóstica, para depois redefinir a conduta.
A profilaxia é realizada com Espiramicina 500mg (1.500.000 UI) 2 comprimidos a cada 8 horas. Deve ser iniciada na suspeita diagnóstica e mantida até o parto. Se descartada a infecção aguda, a profilaxia pode ser suspensa.
Gestantes imunes devem receber profilaxia nos casos de imunosupressão, como nas portadoras do HIV. Nestes casos há risco de reativação da doença com possível transmissão vertical. Essas pacientes devem ser avaliadas individualmente, de acordo com a contagem de linfócitos CD4.
Caso a infecção fetal seja confirmada pelo procedimento invasivo, deve-se iniciar o tratamento com sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico e mantê-lo até o parto. O tratamento é contra-indicado no primeiro trimestre, devendo ser iniciado a partir de 15 semanas.
– Sulfadiazina 500mg, 2 comprimidos VO a cada 8 horas
– Pirimetamina 25mg, 1 comprimido VO a cada 12 horas
– Ácido folínico 15mg, 1 comprimido VO ao dia
Nos casos de soroconversão acima de 32 semanas, quando não está indicado o procedimento invasivo, o tratamento deve ser iniciado mesmo sem a confirmação da infecção fetal, devido ao alto risco de transmissão vertical.
Durante o tratamento é necessário realizar o controle materno com hemograma a cada duas semanas. Devido a alta toxicidade das drogas utilizadas há risco de alterações como anemia megaloblástica, e nesses casos o tratamento deve ser suspenso e substituído pela profilaxia com Espiramicina.
Em relação ao acompanhamento fetal, deve ser realizado com controle ultrassonográfico a cada quinze dias, pesquisando sinais de anemia fetal como a hidropsia. Além disso, aconselha-se a avaliação de vitalidade fetal semanal.
RECOMENDAÇÕES ÀS GESTANTES
Todas as gestantes devem realizar a sorologia para Toxoplasmose na primeira consulta de pré-natal. Gestantes imunocompetentes com infecção crônica (IgG positivo e IgM negativo) não necessitam de novas intervenções.
Gestantes suscetíveis (IgG e IgM negativos) devem ter a sorologia repetida mensalmente, para verificar possível soroconversão e orientadas quanto as medidas higienodietéticas:
– Não comer carne crua ou malpassada
– Dar preferência às carnes congeladas
– Não comer ovos crus ou malcozidos
– Beber água filtrada
– Usar luvas para manipular alimentos e carnes cruas
– Não usar a mesma faca para cortar carnes, vegetais e frutas
– Lavar bem frutas, verduras e legumes
– Evitar contato com gatos e com tudo que possa estar contaminado com suas fezes
– Alimentar gatos domésticos com rações comerciais
– Fazer limpeza diária com água fervente do recipiente em que os gatos depositam suas fezes
– Usar luvas ao manusear a terra ou jardim
A via de parto é de indicação obstétrica e não há contra-indicação a amamentação. Placenta e sangue de cordão podem ser encaminhados para realização de sorologia e PCR.
Fonte:
FEBRASGO