Com o fim de Outubro, foram observadas novamente diferentes campanhas do Outubro Rosa focadas no combate ao câncer de mama. Com cerca de 2,3 milhões de casos no mundo em 2020, esse é o câncer que mais mata mulheres no Brasil, atingindo principalmente pessoas do gênero feminino na faixa etária acima dos 60 anos, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Para conversar sobre o tema, o Conexão UFRJ entrevistou a professora e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery (Eean), Ana Beatriz Queiroz. Na entrevista, ela falou sobre estratégias de prevenção para além do autoexame e sobre a necessidade de intensificar os fatores de prevenção sem deixar de lado o foco em diminuir os fatores de risco.
1. Estamos chegando ao final de mais um mês de outubro e, novamente, a sociedade volta a falar do câncer de mama a partir de diversas campanhas do Outubro Rosa. No entanto, apesar dos esforços consecutivos, o que se observa é um aumento do número de casos da doença nas faixas etárias acima de 60 anos. Como podemos analisar isso?
O câncer é mais incidente nessa faixa etária porque há um acúmulo de exposições ao longo da vida, além das próprias evoluções biológicas, como o processo de envelhecimento. O envelhecimento traz mudanças celulares, tornando-as mais vulneráveis ao processo cancerígeno. Somamos isso ao fato de as células das pessoas com mais idade terem sido expostas por muito mais tempo a diferentes fatores de risco para o câncer de mama. Normalmente, é uma doença que atinge majoritariamente mulheres numa determinada faixa etária, em processo de envelhecimento, por duas razões: acúmulo de exposições aos fatores de risco ao longo da vida e alterações celulares.
2. A maioria dos materiais do Outubro Rosa estabelece o autoexame como a melhor maneira de prevenção contra o câncer de mama. Esta é realmente a melhor forma ou há outras medidas preventivas mais eficazes?
O que nós deveríamos fazer no Outubro Rosa é trabalhar com o seguinte slogan: “Evite os fatores de risco e intensifique os fatores de proteção”. Hoje, nós não consideramos o autoexame como uma técnica de rastreamento para o câncer de mama, mas trabalhamos com o que a gente chama de saúde das mamas, que é fazer com que nós, mulheres, conheçamos nossos corpos e fiquemos alerta a qualquer alteração suspeita.
Hoje, a gente trabalha com o autoexame como um processo de conhecimento do corpo e de estar alerta às possíveis modificações. A diretriz para o rastreamento do câncer de mama hoje é a mamografia, por exemplo, que, de acordo com o Inca, deve ser feita de dois em dois anos em mulheres entre 50 e 69 anos. Nós temos que entender que precisamos tanto diminuir os fatores de risco quanto intensificar os fatores de proteção.
3. Como essa doença age no corpo e o que aumenta os riscos de desenvolvimento?
Existem vários tipos de câncer de mama. Alguns são assintomáticos, principalmente no início. Em outros, as mulheres percebem um nódulo, alterações no mamilo, saída espontânea do líquido pelo mamilo, pequenos nódulos no pescoço ou na região axilar.
Uma coisa que nós temos que descortinar é a questão de que todo nódulo é câncer e de que todo câncer mata. A gente precisa cada vez mais trabalhar com a prevenção primária, com as estratégias de diretrizes dessa detecção precoce, porque quanto mais precoce for a detecção, melhor vai ser o prognóstico, com menores taxas de mortalidade.
Quando a gente fala de câncer de mama, a gente fala de dois grupos de fatores de risco. Um deles são os fatores de risco não modificáveis: o gênero feminino, a idade, a exposição prolongada ao estrogênio, a herança genética etc. Os fatores de risco modificáveis são aqueles em que nós podemos intervir. Eles são o consumo excessivo de álcool, dieta inadequada, levando ao sobrepeso e até à obesidade, o sedentarismo, o tabagismo, contraceptivos orais e terapia hormonal pós-menopausa, por exemplo.
4. Existem diferentes tipos de câncer de mama? Quais são eles e como atingem a população?
Existem vários tipos de câncer de mama. Alguns com crescimento muito rápido e agressivo, com risco de metástase para outros órgãos, outros de crescimento mais lento. Existe o Carcinoma Ductal Invasivo, que representa cerca de 70% do total de casos de câncer de mama. Ele pode levar à metástase, principalmente pelo sistema linfático e pela circulação sanguínea. Temos também o Carcinoma Ductal in situ, que é aproximadamente 20% dos novos casos de câncer de mama, uma versão não invasiva da doença, com chance de metástase praticamente nula, principalmente com diagnóstico e tratamento adequado e oportuno. Tem uma taxa de cura em torno de 98%.
Além de outros tipos, temos o Carcinoma Lobular in situ, que ocorre quando as células cancerígenas se originam nas glândulas produtoras do leite. Existem vários tipos de tumoração para a questão do câncer de mama.
5. Qual a população mais afetada pelo câncer de mama? Como seria possível fazer campanhas de conscientização que realmente chegassem até essas pessoas?
Quando a gente pensa nessas estratégias de conscientização, precisa pensar em três pilares, um tripé. O alerta à população, que deve estar alerta aos sintomas. A gente precisa ter profissionais que estejam capacitados para também estar em alerta a esses sinais e sintomas. E, em terceiro, serviços preparados para garantir a confirmação diagnóstica com qualidade, com garantia de integralidade e continuidade, pois não adianta a população ter conscientização se depois ela não tem acesso ao serviço de saúde, ou se ela não tem uma linha e rede de cuidado eficaz e eficiente para dar prosseguimento ao diagnóstico, ao tratamento e até mesmo à reabilitação.
6. Ao tratar de câncer de mama, fala-se pouco do efeito e das consequências quando ele atinge pessoas do gênero masculino. Qual é o padrão para essas pessoas?
A incidência de câncer de mama no gênero masculino é muito baixa e muito rara, mas também está ligada ao processo de envelhecimento. Os sinais [do câncer] são muito parecidos: protuberâncias, inchaço, retração do mamilo, vermelhidão, alteração na pele da mama como “casca de laranja”, descamação da pele do mamilo, edemas nos linfonodos axilares. O homem também deve ser examinado na questão das mamas, assim como faz consultas com outros médicos, como cardiologista e urologista.
7. Que outros tipos de cuidados podemos ter com a mama ao longo de todo o ano, e não apenas em outubro? Qual mensagem passaria para as pessoas nesse sentido?
É preciso sempre levar em conta o contexto: conhecer a territorialidade, a região, a cultura e as características ambientais. Ou seja, não fazer única e exclusivamente campanhas universais, como se o Brasil não fosse um país [de proporção] continental. Existem “brasis” dentro de um único Brasil.
Precisamos ter campanhas regionais, levando em conta os contextos social, político, econômico e cultural das pessoas, dos nossos usuários, das nossas mulheres e dos homens, sempre evitando os fatores de risco e intensificando, principalmente, os fatores de proteção. Esse é um grande momento para que a gente possa chegar a estratégias efetivas na questão do Outubro Rosa. É lógico que isso envolve toda uma questão de políticas de saúde que garantam a continuidade e essa linha de cuidados de assistência do SUS com uma garantia de integralidade, equidade e universalidade.
Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Tassia Menezes.
Fonte: https://conexao.ufrj.br/2021/10/o-cancer-de-mama-para-alem-do-outubro-rosa/?_ga=2.217535582.935891390.1636315417-1490958792.1605658936&_gl=1*40276h*_ga*MTQ5MDk1ODc5Mi4xNjA1NjU4OTM2*_ga_S9CWPVF04S*MTYzNjMxNTQxNi4yLjEuMTYzNjMxNTQyNy4w