Esclerose Múltipla (EM) é uma das doenças mais intrigantes para o neurologista. Consiste numa doença imunomediada, crônica, que atinge primariamente a mielina do Sistema Nervoso Central (SNC), posteriomente acometendo também os axônios dos neurônios e o próprio corpo do neurônio.
A idade de início pode orientar as possibilidades diagnósticas a serem lembradas. A EM é uma doença que atinge preferencialmente os pacientes em sua terceira e quarta décadas de vida. Sintomas que se iniciam antes dos 10 e após os 50 anos devem ser olhados com muito mais cuidado. Doenças muito prevalentes em determinadas regiões como a esquistossomose, por exemplo, devem ser pesquisadas em indivíduos de áreas endêmicas, com sintomas medulares.
A acurácia no diagnóstico tem sido exaustivamente buscada Os critérios diagnósticos de McDonald (2001) revistos em 2005, acrescentaram aos critérios de Poser (1983), utilizados até então, as imagens em RM como instrumento/ferramenta para caracterizar disseminação no espaço e no tempo. Mas a EM é uma doença tão complexa que para aprimorar o diagnóstico, estes critérios já forma revistos em 2010 e 2017. Em cada uma das revisões são incorporados novos conhecimentos adquiridos com o uso da ressonância magnética não só no diagnóstico como também na evolução da doença. Ainda assim estes critérios ainda apresentam falhas, quando se trata de diferi-la de outras doenças parecidas, e a experiência do neurologista com a doença às avezes se sobrepõe a protocolos.
Podemos didaticamente organizar o diagnóstico diferencial da mesma forma como evoluímos, em etapas, o raciocínio clínico diante de um paciente. Começamos entre as doenças que possuem sintomas semelhantes, continuamos com as que possuem imagens à RM hiperintensas em T2 e periventriculares, e com as que têm alterações liquóricas parecidas.
Entre as doenças que se apresentam com déficits agudos ou subagudos sensitivos e motores, sintomas mais comuns desde o início da EM destacamos as embolias arteriais recorrentes provocadas por cardiopatias valvares, as isquemias produzidas pela doença cerebrovascular hipertensiva, pelas síndromes de hipercoagulabilidade, pela Púrpura Trombocitopênica ou pelas vasculites primárias ou secundárias que acometem o SNC.
A neurite óptica, terceira forma mais comum de apresentação da EM pode ser confundida com a neuropatia óptica isquêmica, neurites tóxicas, infecciosas e hereditárias. Exame do fundo de olho apresenta alterações características, mas lembramos que neurite retrobulbar pode ocorrer com papila óptica normal.
Os sintomas medulares devem ser diferenciados principalmente da Neuromielite óptica ou Doença de Devic, por serem em geral nesta última bilaterais e de instalação mais abrupta. Podem apresentar semelhança, por exemplo, com a mielite esquitossomótica, sendo que neste a dor e o caráter ascendente pode ser mais característico, ou com as mielites associadas ao HIV. Características das imagens medulares podem ajudar, uma vez que a EM acomete somente substância branca de um lado ou do outro, e as lesões normalmente não ultrapassam um espaço medular.
As alterações do equilíbrio e da marcha devem ser diferenciadas dos que ocorrem progressivamente nas ataxias hereditárias ou na malformação de Arnold-Chiari, sendo que nesta o caráter lentamente progressivo e o exame de imagem pode ser esclarecedor.
Na RM as lesões hiperintensas (brilhantes) em T2 são pouco específicas. Abaixo, colocamos exemplos de imagens em doenças que devem fazer parte do diagnóstico diferencial. Observe que, embora parecidas, as lesões não tem características muito típicas das lesões da EM definidas por Barkhof e Tintoré em 2000, como, por exemplo, o formato elíptico perpendicular ao ventrículo. As imagens em sagital mostrando lesões no corpo caloso e na interface caloso-septal, podem fazer a diferença, a favor de EM quando a história for sugestiva. Lesões medulares mais extensas que um corpo vertebral somam evidências contra EM, como na lesão central e extensa da Neuromielite Óptica.
O aumento do índice de IgG e a presença de bandas oligoclonais no líquido cefalorraquidiano, sugerem a produção intratecal de anticorpos contra antígenos próprios do SNC, e podem ocorrer em várias doenças, entre elas meningoencefalites virais, inclusive as causadas pelo próprio virus HIV, as vasculites lúpicas ou primárias, a neuro-sífilis. a presença de bandas oligoclonais é um critério de disseminação no tempo, mas nem sempre indispensável se outros criterios de imagem já foram preenchidos.
Em suma o diagnóstico de EM pode ser considerado um diagnóstico de exclusão, já que não há um marcador biológico da doença, mas atualmente com os critérios de características das imagens e quando utilizam-se os crtitérios de disseminação no tempo e no espaço tornou-se muito mais objetivo. Clínica, ressonância, LCR e experiência do neurologista são fundamentais.
Referências:
1-Paty D, Ebers G. Multiple Sclerosis. Ed F. A. Davis Company, Philadelphia, USA. 1997.
2-Rolak LA. Differential Diagnosis of MS. American Academy of Neurology Meeting 2003. Syllabus.
3-O’Connor P. The Canadian Multiple Sclerosis working Group. Key issues in the diagnosis and treatment of multiple sclerosis. Neurology 2002,59:S1-S33.
4-McDonald WI, Compston A, Edan G et al. Recommended criteria for multiple sclerosis: guidelines from the international panel on the diagnosis of multiple sclerosis.
5- Miller DH, Weinshenker BG, Filippi M, et al. Differential diagnosis of multiple sclerosis: a consensus approach. Multiple Sclerosis 2008, 14:1157-74.
6- Bernithsias E, Khan O, Razmjou S, et al. Cerebrospinal fluid humoral immunity and the differential diagnosis of multiple sclerosis. Plos One 2017, 12(7).
Texto na íntegra:
http://neuroimunologia.com.br/diagnostico-diferencial-da-esclerose-multipla/