Os critérios logísticos da área militar para suporte ao atendimento em saúde na zona de fronteira e as bases da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas foram dois dos tópicos que alimentaram debates durante o III Fórum de Médicos de Fronteira, organizado pela Comissão que se dedica ao tema dentro do Conselho Federal de Medicina (CFM). Nesta sexta-feira (30), cerca de 200 profissionais, estudantes e representantes da comunidade acompanharam as explanações.
O encontro aconteceu no município de Cruzeiro do Sul, a 700 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre, onde existem cerca de 80 comunidades indígenas. “Com esses debates esperamos contribuir para o aperfeiçoamento da assistência oferecida à população que habita em regiões semelhantes. Esse é uma missão abraçada pelo CFM, que, assim, faz a ponte entre governo, pesquisadores, profissionais e diferentes grupos para enfrentar problemas”, disse a coordenadora do Fórum, Dilza Teresinha Ambros, que também é corregedora-adjunta do Conselho Federal de Medicina.
Assistência – O enfrentamento das dificuldades na assistência em saúde na região fronteiriça atraiu a atenção de várias autoridades, que acompanharam parte das discussões. Entre elas, estiveram no auditório onde ocorreu a reunião o prefeito de Cruzeiro do Sul, Ilderlei Cordeiro; a deputada federal Jéssica Sales; e o professor Marcelo Siqueira, representando a reitora da Universidade Federal do Acre, Margarida Aquino. Além deles, participaram o 3º vice-presidente do CFM, Jecé Brandão; e a presidente do Conselho Regional de Medicina do Acre, Leuda Dávalos.
Segundo Leuda Dávalos, “o Acre tem uma grande particularidade que é fazer fronteira com o Peru e a Bolívia. Além disso, dos seus 22 municípios ao menos quatro são considerados isolados, o que dificulta ainda mais a oferta de serviços básicos como saúde e educação. Os colegas médicos que atuam nestas localidades precisam contar diariamente com o desafio de fazer seu trabalho com o mínimo de recursos e, mesmo assim, estão lá atendendo a população. Este momento é um marco para nossas lutas. Que esse encontro venha nos trazer esperança e ajuda em busca da valorização dos médicos que atuam nas fronteiras”.
Além de questões estruturantes, relacionadas às condições de trabalho e de atendimento, os palestrantes ainda trataram de aspectos como os critérios para formação do médico que atua nas regiões de difícil acesso e até a aplicação do Código de Ética Médica (CEM) na fronteira. Na avaliação de Dilza Teresinha, “é importante fazer esses eventos em localidades como Cruzeiro do Sul para que os participantes possam testemunhar as dificuldades enfrentadas pelos profissionais e pacientes, o que ajuda em futuros desdobramentos”. Antes desse evento, foram realizados encontros do tipo em Campo Grande (MS) e em Rio Branco (AC).
Levantamento – De acordo com levantamento divulgado pelo CFM, em 2018, um quinto (27) dos 122 municípios brasileiros que fazem fronteira com outros países não possui nenhum leito de internação disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, 93% deles não contam com leitos em Unidade de Terapia Intensiva. Nessas cidades, também é baixa a oferta de estabelecimentos e de profissionais de saúde na rede pública, e, de forma geral, é alta a incidência de doenças infectocontagiosas.
“São localidades distantes dos centros urbanos e muitas vezes de difícil acesso. Nelas vivem uma população que também precisa ter acesso a diagnósticos e tratamentos. Por isso, a oferta de serviços públicos de qualidade tem sido um desafio”, alertou a conselheira Dilza Teresinha.
Infraestrutura – No Brasil, 11 estados fazem fronteira com outros países: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia Roraima e Santa Catarina. Neles, 122 municípios são considerados fronteiriços.
Desse total, 42 (34%) não possuem hospital geral. Nas outras 80 cidades funcionam 115 hospitais, volume próximo, por exemplo, ao que hoje existe apenas o município do Rio de Janeiro (125). Os dados são do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), coordenado pelo Ministério da Saúde.
Pelos dados oficiais, também é possível verificar que os municípios da região fronteiriça somam, juntos, 5.465 leitos de internação no SUS. Das 122 cidades da área, 27 não contam com leitos de internação na rede pública e outros 33 tiveram uma redução dessa infraestrutura no período de 2011 e 2017.
Graves – “Sabemos que muitos destes municípios não têm estrutura e nem demanda para manter um hospital geral, mas é imprescindível que se ofereça condições mínimas de atendimento em casos mais graves. Em muitos lugares, um paciente tem que esperar dois ou três dias por um transporte que possa levá-lo ao hospital mais próximo”, explicou Dilza Ribeiro.
Também se apurou que as cidades que fazem fronteira possuem 654 Unidades Básicas de Saúde ou Centros de Saúde, que têm como objetivo solucionar até 80% dos problemas de saúde da população local. Esses serviços integram a rede de atenção básica.
Para se ter uma ideia da distribuição desigual, basta observar que estados como Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte, por exemplo, cujas populações são equivalentes à soma dos moradores de todos os municípios fronteiriços, contam com muito mais estabelecimentos desse tipo: 821, 978 e 841, respectivamente.
Consultas – Entre 2011 e 2017, os dados mostram ainda que 74 municípios de fronteira reduziram em quase 3 milhões o número de consultas realizadas. Se fossem consideradas todas as 122 cidades, o saldo de consultas nessa área se manteria negativo, com uma queda de 17% na produção desse serviço nos últimos sete anos.
Os indicadores revelam também que a cada ano são registradas cerca de 200 mil internações de moradores das cidades de fronteira. No entanto, em média, quase 16 mil delas acontecem em munícipios fora dessa zona, ou seja, o paciente é obrigado a se deslocar para ter acesso a atendimento.
Em 2017, dos 22.745 partos registrados nas zonas de fronteira, mais de 1.700 aconteceram fora dos limites fronteiriços. O mesmo é observado nas internações para tratamento de pneumonias ou gripe influenza: das 13.835 registradas no ano passado, quase mil tiveram de ser realizadas em outras localidades.
Profissionais – Os números apurados pelo CFM revelam ainda que os municípios limítrofes concentram 3.869 médicos cadastrados no CNES. Esse número representa 0,9% do total de médicos em atividade em todo o País, segundo registros dos conselhos de medicina (454 mil). Nos últimos sete anos, o número de médicos aumentou em 46%, sem levar em conta os intercambistas do Programa Mais Médicos. No entanto, ao contrário da maioria dos municípios, em dez deles houve redução no total de médicos neste período.
Em números absolutos, a população de médicos supera a quantidade de enfermeiros e odontólogos identificados nessas regiões. Os 122 municípios possuem atualmente 3.309 enfermeiros cadastrados no CNES, o que representa apenas 0,7% do total de enfermeiros em atividade em todo o País, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), ou seja, 487 mil. Desde 2011, o número de enfermeiros nestas cidades aumentou em 94%, porém em sete municípios houve redução no total destes profissionais.
Por sua vez, os odontólogos na região somaram 1.726 cadastros no CNES, o que representa 0,6% do total de especialistas desse tipo no País, segundo dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO), ou seja, 301 mil. Apesar do aumento de 55% no número de dentistas que atuam na região ao longo dos últimos sete anos, em 14 municípios aconteceu a redução desse contingente.
Doenças – O CFM também avaliou a situação epidemiológica nas fronteiras. No caso da tuberculose, dos 122 municípios, 92 fizeram registro de ocorrência da doença. Em 38 dessas localidades, essa taxa de incidência de por 100 mil habitantes foi superior à média nacional (33,83). As situações mais graves foram identificadas nos municípios de Santa Rosa do Purus (AC), Assis Brasil (AC) e Porto Velho (RO), onde os índices foram de 232,52; 189,42; e 100,94, respectivamente.
Erradicada em muitos países, a hanseníase é outra doença presente nos municípios de fronteira. Embora não tenha sido detectado nenhum caso de hanseníase em 52 municípios de fronteira em 2015, em 60% das 70 cidades onde houve a presença da doença a taxa de detecção ficou acima da média nacional (10,23 casos novos confirmados por 100 mil habitantes). O quadro mais grave foi registrado no município de Quaraí (RS), onde constam 100,43 casos por 100 mil habitantes.
Em 2015, 71 dos 122 municípios fronteiriços (58%) também registraram uma taxa de mortalidade infantil – número de óbitos de menores de um ano de idade por mil nascidos vivos – superior à média nacional (12,42 mortes a cada mil nascidos vivos). Além deles, três outros municípios informaram um aumento nesse índice, quando confrontados com resultados de 2006.
Original: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28418:2019-08-30-20-58-26&catid=3
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