A doença de Wilson (DW) é um distúrbio autossômico recessivo causado por mutações no gene ATP7B, responsável por uma proteína de membrana carreadora de cobre. Na DW, o que temos basicamente é um acúmulo de cobre no organismo, o que acarreta uma série de efeitos tóxicos, principalmente no fígado e cérebro.
A deficiência da proteína ATP7B prejudica a excreção biliar de cobre, levando ao acúmulo hepático de cobre e dano oxidativo. Inicialmente excesso de cobre se liga a metalotioneína no fígado. Entretanto, quando toda a metalotioneína está saturada é que começa a lesão hepática. Isto pode ocorrer a partir dos 3 anos de idade. A incorporação defeituosa do cobre a apoceruloplasmina acarreta um catabolismo exacerbado desta molécula, logo os níveis séricos de ceruloplasmina encontram-se baixos. O cobre sérico total está falsamente baixo, já que a maior parte da ceruloplasmina se liga ao cobre sérico. A medida que a doença progride, o cobre livre vai se depositando em outras partes do corpo, principalmente cérebro.
A DW pode cursar com hepatite e cirrose, e a idade típica de apresentação é a adolescência, embora a doença possa se manifestar até a quinta década de vida. Os pacientes podem ainda apresentar hepatite de curso flutuante, isto é, episódios de icterícia e enzimas hepáticas elevadas seguidos de regressão espontânea. Geralmente a hepatite é recidivante e o paciente evolui para cirrose. A insuficiência hepática se apresenta através de seus estigmas típicos: hiperbilirrubinemia, albumina sérica e fatores da coagulação reduzidos, ascite, edema e até mesmo encefalopatia hepática. Na DW especificamente os pacientes podem apresentar anemia hemolítica por conta do nível elevado de cobre sérico. Diante de um paciente com hemólise e e doença hepática, a DW é uma hipótese provável.
As manifestações neurológicas geralmente se iniciam na segunda década de vida, mas elas podem surgir até mesmo na sexta década. Exames de imagem como a TC e ressonância magnética (RM) mostram lesão nos núcleos da base e às vezes na ponte, bulbo, tálamo, cerebelo e regiões subcorticais. Os tipos motores mais comuns na DW são a distonia, descoordenação e tremor. Disartria e disfagia também são comuns. Em alguns pacientes o quadro é semelhante à doença de Parkinson. Por conta da distonia, o paciente pode apresentar posturas bizarras de membros, tronco e pescoço. Hipotensão postural, distúrbios da sudorese e alterações intestinais, vesicais e sexuais são problemas autonômicos encontrados na DW. OS pacientes também podem apresentar perda da memória, cefaléia semelhante à migrânea e convulsões. A concentração está prejudicada, mas a cognição está preservada.
Até metade dos pacientes podem demonstrar alterações psiquiátricas 5 anos antes do diagnóstico da doença. Alterações do comportamento mais comuns são depressão, hiperatividade e desinibição.
Algumas pacientes mulheres podem apresentar abortos de repetição e amenorréia. Comorbidades que podem ser encontradas em pacientes portadores de DW são a colelitíase, a nefrolitíase e osteoartrite.
Dois sinais semiológicos são patognomônicos na DW e por isso são muito perguntados nas provas. Tratam-se da catarata em girassol e os anéis de Kayser-Fleischer. Este nada mais é do que depósitos de cobre na borda da córnea. Embora os anéis possam ser vistos a olho nu, o diagnóstico só é firmado por exame de lâmpada de fenda por um oftalmologista.
Estes sinais clássicos ocorrem quase que somente em fases avançadas da doença, por isso lançamos mão de alguns exames para firmar o diagnóstico em fases mais iniciais.
- Ceruloplasmina sérica
- Apenas sugerem o diagnóstico, pois os níveis dessa substância variam muito nos doentes, logo este exame não confirma o diagnóstico.
- Cobre urinário (Urina de 24 horas)
- Valor em pacientes saudáveis encontra-se entre 20–50 μg. Pacientes heterozigóticos para a doença podem apresentar cobre urinário de até 80 μg, por isso nestes devemos realizar a biópsia de fígado para firmar o diagnóstico.
- Biópsia de fígado
- Este exame invasivo é o padrão-ouro no diagnóstico de DW. Os doentes apresentam mais de 200 μg por g de fígado. Doenças obstrutivas do fígado podem causar falsos positivos.
As drogas usadas no tratamento da DW são o zinco e a trientina. O primeiro inibe a absorção de cobre pelo intestino e estimula a síntese de metalotioneína (lembrando que esta molécula sequestra cobre). Já a trientina é um quelante de cobre. A penicilamina foi usada durante muito tempo, porém está sendo gradualmente abandonada por conta de seus efeitos adversos.
O zinco sempre será o tratamento de primeira linha (50mg 3x ao dia), seguido pela trientina, exceto quando houver descompensação hepática e/ou sintomas neurológicos e psiquiátricos. Para estes doentes, devemos determinar a gravidade da doença através do índice de Nazer.
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1 |
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Bilirrubina sérica (mg/dL) | <5.8 | 5.8–8.8 | 8.8–11.7 | 11.7–17.5 | >17.5 |
TGO (AST) (UI/L) | <100 | 100–150 | 151–200 | 201–300 | >300 |
Prolongamento do tempo de protrombina (seg) | <4 | 4–8 | 9–12 | 13–20 | >20 |
Pacientes com pontuação inferior a 7 devem ser tratados somente com a medicação (Trientina +zinco). Já aqueles que pontuarem acima de 9 devem receber transplante de fígado e por fim escores entre 7 e 9 recebem tratamento segundo julgamento do médico.
O controle do tratamento com trientina é feito através da avaliação do cobre sérico livre, que deve estar abaixo de 25 μg/dL. Mais ainda, por conta dos possíveis efeitos adversos da droga, os pacientes devem ser monitorados com hemograma completo, bioquímica sérica e urinálise.
O tratamento com zinco é acompanhado com mensuração do cobre fecal de 24 horas. O zinco não apresenta efeitos adversos significativos.
Fonte: Brewer GJ. Wilson’s Disease. In: Kasper D, Fauci A, Hauser S, Longo D, Jameson J, Loscalzo J. eds. Harrison’s Principles of Internal Medicine, 19e. New York, NY: McGraw-Hill; 2015.