Antes de descrevermos as principais entidades clínicas, podemos começar nosso estudo das vasculites entendendo os aspectos comuns, presentes em todas elas.
Nessas desordens, o organismo encontra-se em um estado de inflamação sistêmica, sendo, portanto, comum o achado de sintomas constitucionais, como febre, fadiga, anorexia, mialgia e emagrecimento. Além disso, os achados laboratoriais irão revelar a inflamação subjacente (aumento da VHS e da PCR, leucocitose neutrofílica, trombocitose e anemia normocítica normocrômica).
Acredita-se que a patogênese das vasculites encontra-se nos fenômenos de hipersensibilidade (anticorpos, células e/ou imunocomplexos).
O diagnóstico é geralmente baseado na combinação de parâmetros clínicos, sorológicos, histológicos e angiográficos.
Quanto ao tratamento, as vasculites limitadas ao acometimento cutâneo são abordadas apenas com sintomáticos. Quando as lesões são graves, a terapêutica costuma ser prednisona em doses imunossupressoras em associação com a ciclofosmida.
Com esses conceitos em mente, observe nos quadros abaixo um resumo das principais vasculites:
Arterite TemporalArterite de células gigantes, arterite craniana
Vasculite mais comum em adultos;
Predomínio em mulheres (60-75 anos);
É uma causa importante de febre de origem obscura em pacientes > 50 anos;
Cefaleia é a manifestação mais comum (exacerbada pelo frio, toque e durante a noite);
Hipersensibilidade do couro cabeludo, artérias espessadas (podem ser visíveis);
Claudicação da mandíbula (patognomônico);
Polimialgia reumática em 40% dos casos;
Se acometimento da a. oftálmica, pode ocorrer amaurose fugaz ou diminuição da acuidade → É UMA EMERGÊNCIA MÉDICA (ocorrerá acometimento contralateral em 50% dos casos).
Diagnóstico
VHS > 50 mm/h;
Biópsia da artéria temporal (padrão ouro).
Tratamento
Resposta dramática aos glicocorticoides (prednisona em doses altas);
AAS em baixas doses (reduz complicações isquêmicas).
Polimialgia Reumática
– Sintomas constitucionais (devem sempre estar presentes);
– Envolvimento da musculatura proximal (cervical e cinturas escapular e pélvica) com dor e rigidez matinal (não há fraqueza muscular!);
– Idade > 50 anos;
– Sua suspeita não é considerada indicação para a biópsia da artéria temporal;
– Tratamento com prednisona em baixas doses.
Arterite de TakayasuSíndrome do arco aórtico
Mulher jovem (< 40 anos);
Acometimento preferencial da aorta e seus ramos primários;
Acometimento mais comum é o subclávio = sopros e claudicação de MMSS; também pulsos assimétricos e aumento da PA nos MMII;
Também acomete carótidas (tontura, síncope, sopro), arco aórtico (insuficiência aórtica), artéria renal (hipertensão renovascular) e ileofemoral (claudicação de MMII).
Diagnóstico
Angiografia de toda a aorta (não faz biópsia!)
Tratamento
Prednisona + metotrexate;
Angioplastia para reversão de eventuais estenoses (mas somente com a doença em remissão).
Doença de Kawasaki
Meninos < 5 anos;
De natureza infecciosa, mas agente é desconhecido;
Comprometimento das coronárias como principal complicação;
Laboratório: leucocitose com desvio à esquerda e C3 aumentado;
Sempre realizar ecocardiograma no momento do diagnóstico e após 4-8 semanas (investigar aneurisma coronário);
Prognóstico das crianças sem coronariopatia é excelente.
Diagnóstico
É clínico, não exigindo nenhum exame complementar;
Necessário 5 dos 6:
(1) Febre por mais de 5 dias (critério obrigatório);
(2) Congestão ocular bilateral;
(3) Alterações da cavidade oral (ressecamento, fissuras, hiperemia faríngea, língua em framboesa);
(4) Linfadenopatia cervical não purulenta;
(5) Exantema polimorfo;
(6) Alterações nas extremidades (eritema e edema endurado palmoplantar, que evoluem para descamação periungueal).
Ou ainda: presença de 4 critérios + aneurisma coronariano.
Tratamento
Imunoglobulina venosa (2g/kg dose única em infusão contínua por 12 horas);
Efetiva na prevenção da coronariopatia se até o 10⁰ dia de doença;
Salicilatos em doses anti-inflamatórias.
Granulomatose de Wegener
Homens e mulheres 30 a 50 anos;
Causa clássica de síndrome pulmão-rim (hemoptise + glomerulonefrite);
Vasculite de médios e pequenos vasos com a formação de granulomas;
Rinossinusite (com coriza piossanguinolenta), ulcerações/perfurações em palato e septo;
Pulmões: infiltrados e cavitações (diag. diferencial com tuberculose);
Rins: GEFS + crescentes (com hematúria e azotemia) → a falência renal é a principal responsável pela mortalidade!
Comprometimento ocular é comum e variável (ex: pseudotumor da órbita com exoftalmia dolorosa);
Risco aumentado para TVP/TEP.
Diagnóstico
Achado histológico de vasculite necrosante granulomatosa;
Biópsia pulmonar a céu aberto é o método de maior sensibilidade;
c-ANCA positivo.
Tratamento
Prednisona + ciclofosfamida.
Poliarterite Nodosa (PAN)
Homem 40-60 anos;
A PAN clássica é uma doença apenas de artérias de médio e pequeno calibre, poupando a microvasculatura (poupa pulmão e glomérulo);
30% dos casos apresentam HBsAg positivo, geralmente associado a sinais de replicação viral (HBeAg e DNA viral);
Vasculite das artérias renais: infartos renais, hipertensão renovascular e insuficiência renal/retenção azotêmica (mas não há glomerulite = sedimento urinário é inocente);
TGI: angina mesentérica;
Vasculite gonadal: dor testicular;
Mononeurite múltipla.
Diagnóstico
Angiografia dos vasos celíacos, mesentéricos e renais: múltiplos aneurismas;
Biópsia de pele, testículo.
Tratamento
Prednisona + ciclofosfamida;
Na PAN associada à hepatite B: tratamento antiviral combinado ao uso de corticoides.
Poliangeíte Microscópica
Quando compromete também a microvasculatura (glomérulos, capilares pulmonares e vênulas cutâneas);
Vasculite cutânea: púrpura palpável;
Capilarite: hemorragia alveolar (hemoptise);
Glomerulite: GEFS com crescentes;
p-ANCA +
Síndrome de Churg-StraussAngeíte granulomatosa alérgica
Homens 30-40 anos;
Asma como pródromo;
Associação com rinite, sinusite e polipose nasal;
Laboratório: eosinofilia + elevação da IgE + p-ANCA (50% dos casos);