Apesar de ser um tema não muito discutido, podemos nos deparar com um paciente grande queimado a qualquer momento em um serviço de emergência. O tratamento das queimaduras, dentro das especialidades médicas, é geralmente responsabilidade do cirurgião plástico. Entretanto, o manejo inicial pode ser realizado por qualquer médico, desde que este possua o conhecimento necessário. E sobre isso que discutiremos no post de hoje!
Abordagem do Grande Queimado
Apesar de ser um tema não muito discutido, podemos nos deparar com um paciente grande queimado a qualquer momento em um serviço de emergência. O tratamento das queimaduras, dentro das especialidades médicas, é geralmente responsabilidade do cirurgião plástico. Entretanto, o manejo inicial pode ser realizado por qualquer médico, desde que este possua o conhecimento necessário. E sobre isso que discutiremos no post de hoje!
No post anterior, “Queimaduras: Introdução”, falamos um pouco sobre as definições e classificações das queimaduras. Vamos relembrar a definição do paciente grande queimado:
Grande Queimado
|
Ou ainda, se presença de:
|
Como qualquer vítima de trauma, o atendimento imediato consiste no famoso “ABC da vida”, segundo as recomendações do ATLS. Nesse momento, devemos parar o processo de queimadura: toda a roupa deve ser removida, com lavagem copiosa com água corrente. Devemos lembrar que, independente do paciente, a estabilidade hemodinâmica será sempre prioridade. Outras medidas no manejo inicial do paciente consistem:
- Obtenção de acesso venoso periférico de grosso calibre;
- Analgesia (geralmente agonistas morfínicos);
- Envolver o paciente em toalhas limpas;
- Monitorização contínua do débito urinário (0,5 a 1 ml/kg/hora);
- Cabeceira elevada a 30⁰.
Nessa fase inicial, o cálculo da superfície corporal acometida estará comprometido. Desse modo, iniciamos uma hidratação venosa agressiva (o paciente queimado perde muito líquido pela pele lesionada!).
Adulto: 2.000 ml de Ringer com Lactato para correr rápido (< 30 minutos); Criança: 20 ml/kg para correr em 20 minutos.
|
A analgesia também é muito importante neste momento, muitas vezes sendo necessário o emprego de derivados opioides. Uma frase citada em algumas diretrizes é “Nunca subestime a dor do paciente queimado”. Também devemos buscar obter uma adequada história com o paciente, acompanhante ou mesmo serviço de resgate. Uma regra que podemos utilizar para os principais pontos que não podemos esquecer é o mnemônico “ARDEU”.
A – Alergias?
R – Remédios?
D – Doenças prévias e atuais, Data da última menstruação (gravidez?)
E – Eventos relacionados com a lesão;
U – Última refeição?
Se estamos em um serviço de emergência, podemos ficar satisfeitos com nossos cuidados iniciais: estabilizamos o paciente e controlamos diversos fatores agravantes. Nesse momento, entramos em contato com a cirurgia plástica e, se necessário, solicitamos uma vaga na UTI. Idealmente, estes pacientes deveriam ser encaminhados para um centro de r
eferência em queimados (ex: Hospital João XXIII em Belo Horizonte ou no Hospital Federal do Andaraí no Rio de Janeiro), mas a questão da logística difere entre os serviços…
Dependendo do local acometido, ou da etiologia da queimadura, algumas peculiaridades podem ser observadas:
- Mãos: devem ficar elevadas por 24 a 48 horas após a queimadura, para minimizar o edema. Em queimaduras circunferenciais, atentar para circulação adequada. Os exercícios de amplitude de movimento deverão começar logo que possível.
- Períneo: alto risco de complicações, como infecção ou obstrução urinária.
- Córnea: verificar lesões com colírio de fluoresceína.
- Agentes Químicos: não utilizar agentes neutralizantes, pois a reação é exotérmica, podendo agravar a queimadura.
- Lesão elétrica: pode produzir danos extensos apesar de apresentar poucas evidências visíveis de lesão; os pacientes devem ser monitorizados, pois a principal causa de morte precoce são as arritimias cardíacas.
A primeira conduta específica no paciente deve ser o banho (que consiste no desbridamento e limpeza da ferida). Em hospitais comuns, realizamos o desbridamento em centro cirúrgico, com o paciente sob anestesia geral.
Excisão das bolhas grandes e desbridamento dos tecidos desvitalizados, realizando uma limpeza profunda com clorexidina ou PVPI e enxaguando com água ou SF.
Em seguida, faz-se o curativo, aplicando de preferência gaze vaselinada estéril (ou com sulfadiazina de prata, um antibiótico tópico) e enfaixa-se com bandagem de crepom sem compressão excessiva.
Após a limpeza inicial, poderemos estabelecer a superfície corporal queimada com maior segurança. Uma das fórmulas mais conhecidas para a hidratação de pacientes queimados é a fórmula de Parkland.
Fórmula de Parkland (para 24 horas) 4 ml x Peso x Superfície Corporal Queimada Infundir a metade deste volume nas primeiras 8 horas; Utilizar Ringer-Lactato.
|
Em queimaduras circunferenciais em extremidades, para a manutenção de uma adequada circulação, deve-se remover todas as jóias, avaliar pulso, perfusão e presença de parestesias e, quando necessário, realizar escarotomia ou fasciotomia.
Com relação à infecção, não é recomendada antibioticoprofilaxia sistêmica, inclusive pelo risco de seleção de agentes resistentes. Entretanto, o paciente queimado deve ser examinado por inteiro diariamente, na busca de uma possível infecção. As condições mais frequentes são: septicemia, infecção da ferida, relacionada aos acessos vasculares, pneumonia e ITU. A profilaxia contra o tétano (dT) deve sempre ser avaliada.
Sinais de infecção da ferida: descoloração da pele adjacente, exsudato de odor desagradável, edema das margens da ferida, hiperglicemia, hipotensão, confusão mental, oligúria, demora na melhora, insucesso do enxerto…
|
O S. aureus é geralmente o agente mais envolvido. Uma observação importante é acerca da bactéria Pseudomonas aeruginosa, presente no TGI dos pacientes, água e vegetais crus (por isso não podem existir flores ou vegetais crus nas unidades de queimados!).
Bem, abordamos os principais tópicos do atendimento inicial do grande queimado. Não deixem de se aprofundar nesta temática, inclusive no tratamento específico e acompanhamento posterior destes pacientes. Bons estudos!
Igor Torturella
Bibliografia
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Queimaduras: Diagnóstico e Tratamento Inicial. Projeto Diretrizes. 2008.
Macedo, JLS. Complicações Infecciosas em Pacientes Queimados. Rev. Soc. Bra. Cir. Plást. 2006.
Veja também
Acessos Venosos Centrais Parte 1: Conceitos Gerais
A Consulta Ginecológica: parte 1