Agora começamos um assunto extremamente importante, seja por sua prevalência ou por sua gravidade, no cotidiano de qualquer clínico: a Síndrome Coronariana Aguda (SCA). A abordagem do paciente com dor torácica é tema que deve ser bem dominado por todos. No momento, iremos aprender a identificar as alterações eletrocardiográficas que nos permitem realizar um diagnóstico seguro de uma SCA. Vale lembrar que a realização do ECG é preconizada para todos os pacientes com quadro de dor torácica aguda, idealmente nos primeiros 5 minutos do atendimento!
Podemos didaticamente dividir as alterações eletrocardiográficas resultantes de uma síndrome coronariana aguda (SCA) em (1) isquemia, (2) lesão e (3) necrose. Bem, vamos entender cada uma delas.
A isquemia ocorre quando, pelo prejuízo da circulação sanguínea, as células musculares cardíacas passam a sofrer com a baixa oferta de oxigênio e nutrientes. Ainda não há uma lesão propriamente dita, sendo, portanto, um fenômeno potencialmente reversível.
O marco eletrocardiográfico da isquemia subepicárdica é a presença de uma onda T negativa e simétrica, sempre presente nas derivações da parede cardíaca acometida. O marco clínico da isquemia cardíaca é a angina, uma dor precordial cuja duração é inferior a 20 minutos.
Atenção: a inversão da onda T por si só é indicativa apenas de isquemia e não é diagnóstica de infarto do miocárdio. Além disso, devemos recordar que a inversão da onda T é um achado bastante inespecífico… nos módulos anteriores aprendemos entidades que também cursam com esta alteração, como o bloqueio de ramo e a hipertrofia ventricular com anormalidades da repolarização.
Uma outra característica diagnóstica útil: as ondas T da isquemia são invertidas SIMETRICAMENTE, diferentemente das demais situações, quando geralmente são assimétricas.
Primeiro Conceito: Isquemia subepicárdica = Onda T negativa e simétrica
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Já a lesão subepicárdica ocorre na ausência total de fluxo para determinada região, agressão esta que, se não corrigida a tempo, resultará em morte das células cardíacas! Consiste, portanto, no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Lembre-se: é uma entidade parcialmente reversível, sendo o T máximo para o atendimento de 12 horas; após esse período, já ocorreu morte de todas as células, não sendo mais possível recuperá-las.
O supra do segmento ST é o marco da lesão subepicárdica, apesar de também estar presente em outras situações, inclusive em corações normais (repolarização precoce ou elevação do ponto J, uma alteração comum em indivíduos jovens e saudáveis). Uma outra nomenclatura para a lesão subepicárdica é IAM com supradesnivelamento de segmento ST (ou simplesmente IAM CSSST).
Dentro de algumas horas após o infarto, os segmentos ST geralmente retornam à linha de base; sua persistência frequentemente indica a formação de um aneurisma ventricular.
Segundo Conceito: Lesão subepicárdica = Supra ST |
A necrose corresponde a região das células mortas, um processo, portanto, irreversível. Seu achado eletrocardiográfico é a onda Q de necrose, que diferencia-se de uma onda Q normal por sua amplitude maior ou igual a 0,04 segundos ou por uma altura maior ou igual a 25% da onda R. Outro achado característico da necrose de parede anterior é o não crescimento da onda R nas derivações precordiais.
As ondas Q de necrose persistem por toda a vida do paciente e resultam da presença de uma área eletricamente silenciosa no miocárdio (as células que morreram no evento agudo). Seria como se todas as forças elétricas do coração fossem dirigidas para longe da área de infarto, uma vez que esta não é mais capaz de conduzir a corrente elétrica.
Terceiro Conceito: Necrose = onda Q de necrose ( 0,04 s ou ¼ R) + não crescimento da onda R (se parede anterior) ![]() |
E que fique bem claro: as alterações de isquemia, lesão e necrose devem ser analisadas pelas paredes do coração; seu aparecimento isolado não configura um quadro de angina ou IAM! Desse modo, quando interpretarmos um traçado de ECG, devemos buscar identificá-las por paredes! Recorde:
Paredes do Coração – Parede inferior: DII, DIII e aVF – Parede lateral alta: DI e aVR – Parede anterosseptal: V1, V2, V3 e V4 ——- Parede anterior – Parede apical: V4, V5 e V6 ——————- Parede anterior
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Antes de finalizarmos, analise o traçado a seguir. Vamos direcionar nossa atenção para a parede inferior, ou seja, as derivações DII, DIII e aVF. O supra de ST é evidente (portanto, lesão subepicárdica). A onda Q de necrose também pode ser observada, apesar de não dominar o quadro. Estamos diante, portanto, de um IAM com supra de ST que já está evoluindo para necrose das células cardíacas. Observe também a presença de um infradesnivelamento de ST na parede lateral alta (DI e aVR). Isto é o que chamamos de imagem-espelho, nada mais que a corrente de lesão (isto é, o supra de ST) vista através de uma outra derivação.
Veja como ficaria nosso laudo:
Ritmo Sinusal FC: x bpm Eixo a + 10⁰ Lesão e necrose subepicárdica na parede inferior Imagem-espelho na parede lateral alta (IAM CSSST na parede inferior) |
As alterações de isquemia, lesão e necrose devem ser muito bem assimiladas. No próximo módulo, continuaremos nosso estudo da isquemia e infarto. Não deixem de praticar seus laudos em nossos exercícios propostos! Qualquer dúvida ou sugestão, deixe para nós seu comentário. Um abraço!
Exercícios
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4)