Pergunta: Daniel Ribeiro ( Universidade Federal de Viçosa )
Caro Dr. Mário, primeiramente gostaria de lhe parabenizar pelo excelente site! Incrível como o sr. consegue ter clareza e sensatez ao expor seu ponto de vista sobre diversas especialidades médicas e mercado de trabalho. Há dois anos que trabalho em PSF e resolvi agora estudar para residência. Sou apaixonado pela Neurologia mas depois que me formei tenho pensado em talvez fazer neurocirurgia.
Na faculdade não tive oportunidade de acompanhar neurocirurgias, e resolvi abolir essa hipótese simplesmente por ter sido perseguido pelos residentes da clínica cirúrgica em meu internato. Entretanto, após ganhar um pouco mais de maturidade, acho que é um pouco precoce julgar a neurocirurgia tendo como base a cirurgia geral. Tive oportunidade de acompanhar por 3 anos centros em neurologia e de fato me identifiquei muito com o raciocínio neurológico e com a neuroanatomia. Confesso que apenas dois aspectos vem me feito refletir um pouco mais sobre qual das duas escolher. Primeiramente o financeiro, pois por acompanhar muitos colegas neurologistas, percebi que tem-se uma remuneração razoável, tendo sempre que direcionar o trabalho para exames complementares, pois as consultas neurológicas são muito demoradas e mal remuneradas. E destes procedimentos, sinceramente não gosto nem um pouco de fazer eletroneuromiografia, liquor e muito pouco do EEG. Acho exames muito monótonos. E embora seja fascinado pelo meu trabalho, uma das coisas que mais busco na minha profissão é uma boa qualidade de vida com uma boa remuneração A outra questão é a que o sr. tem relatado aos colegas que gostam de neurologia. A pouca resolutividade e limitação no tratamento. Já me deparei diversas vezes com pacientes no qual possuem doenças que não posso intervir ou que a melhora é muito discreta. Todos esses fatores direcionariam para neurocirurgia (o que acabou sendo confirmado pelo teste vocacional aqui do site).Entretanto, sou fascinado pelo raciocínio clínico-neurológico, da investigação diagnóstica, de realizar o exame neurológico na beira do leito e levantar hipóteses diagnósticas. Estas últimas características, creio eu, que fogem do dia-dia do neurocirurgião. Por último, por não conhecer o cotidiano da neurocirurgia, não sei se teria condições de conciliar profissão e família, pois não desejo passar minha semana inteira operando dentro de um hospital. Essa dúvida está me angustiando muito! Ficaria muito grato com um conselho. Um abraço!
Resposta :
Nada impede que um neurocirurgião faça atendimentos clínicos de neurologia e muitos fazem isso, só que nesses casos os neurologistas (que poderiam ser fonte de pacientes para vc ) vão evitar de te mandar pacientes, porque vc estará competindo com eles.
O neurologista clínico, que não gosta dos exames complementares, estará perdendo uma boa fonte de renda, já que consultas simples de convênios são mal remuneradas.
Na neurologia o mercado é carente de profissionais. O envelhecimento da população é um fator facilitador no aumento da clientela. Os pacientes criam grande dependência com seu neurologista o que gera fidelidade da clientela. A qualidade de vida do profissional é razoável , mas é uma especialidade um pouco triste. Os ganhos financeiros podem ser bons se vc somente atender pacientes particulares. Se for trabalhar com convênios, vale a pena se especializar em alguns exames complementares como polissonografia, EEG, potencial evocado…
Um Mercado promisssor para o neurologista e que tende a se expandir rapidamente é o de casas de repouso ou centros de convivência para idosos.
Outra possível área de atuação e ainda pouco explorada é o tratamento da dor, área essa que também pode ser explorada pelos ortopedistas e pelos anestesistas.
Uma outra possibilidade para o neurologista é a neurologia intervencionista, onde esse especialista pode atuar no :
Tratamento das Estenoses Arteriais na Circulação Extracraniana
Tratamento das Estenoses Arteriais na Circulação Intracraniana
Tratamento de Tumores da Cabeça, Pescoço e da Coluna Espinal
Tratamento Percutâneo das Fraturas dos Corpos Vertebrais por Osteoporose ou por Tumores-Vertebroplastia
Tratamento das Malformações Vasculares, Fístulas Artério Venosas e do Trauma Vascular
Tratamento de Hemorragias por Cateter
Tratamento Percutâneo da Isquemia Cerebral
Essas áreas, na verdade, são “sem dono”, podendo ser exercidas também pelo radiologista intervencionista ou pelo neurocirurgião.
A residência médica que existe nessa área é de radiologia intervencionista e não de neuroradiologia intervencionista e tem duração de 2 anos, tendo como pré requisito a residência anterior nas áreas específicas .
A formação de um Neurorradiologista Intervencionista não se resume ao aprendizado de manipulação de cateteres e materiais mas deve incluir sólida formação e experiência em neurologia clínica, neurorradiologia diagnóstica, clínica neurocirúrgica e sobretudo o hábito de trabalhar em multidisciplinaridade, já que muitos casos irão requerer o trabalho conjunto de colegas de outras especialidade
A Neurocirurgia, por sua vez, é uma das especialidades de maior status dentro da Medicina, mas o tempo necessário para a formação do profissional é longo. A residência dura 5 anos.
Além disso para se firmar na especialidade, principalmente em termos de Medicina Privada, o profissional demora mais tempo do que em outras áreas da Medicina.
Comparando com outras especialidades, o tempo útil do profissional é menor, pois ele precisa estar com 100 % de suas habilidades manuais conservadas para continuar a praticar a especialidade e qualquer pessoa com o decorrer do tempo, vai perdendo um pouco dessas habilidades.
Os ganhos financeiros do neurocirurgião são bons ou ótimos, dependendo da cidade onde estiver.
A qualidade de vida é média, pois embora existam casos de urgência como os acidentes vasculares encefálicos, na maioria das vezes os procedimentos são eletivos.
Uma área em franco desenvolvimento fora do Brasil e começando a se desenvolver agora em nosso meio, são os serviços de emergência para acidentes vasculares , onde o neurocirurgião ou em alguns casos o radiologista intervencionista podem desempenhar um papel importante na colocação de stents.
Ao todo, no Brasil são 69 serviços onde vc pode fazer a residência em neurocirurgia, sendo 19 em São Paulo, num total de 130 residentes entre R1 e R5.
No Rio de Janeiro, são 10 serviços, onde trabalham 42 residentes.
Maiores informações sobre esses serviços vc pode encontrar no site da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia ( www.sbn-neurocirurgia.com.br )
Concluindo : vc tem 3 opções : área clinica ( neurologia clínica ), área clínica com procedimentos invasivos (neurologia intervencionista ) ou área cirúrgica ( neurocirurgia ).
Na primeira, vc lidará com pacientes simples como portadores de epilepsia ou pacientes crônicos sem chance de cura, tipo esclerose múltipla. Vai ter razoável qualidade de vida e pode ter uma boa remuneração se aproveitar o mercado carente e tiver a maior parte da clientela de pacientes particulares. Lembre que é uma especialidade considerada “triste”.
Na segunda opção , também triste, vc lidará com pacientes mais graves agudamente e terá menos qualidade de vida, mas terá uma melhor remuneração.
Na terceira opção, vc lidará com casos graves, de resultado mais objetivos, terá uma boa qualidade de vida porque a maioria das cirurgias será eletiva, terá uma vida útil profissional mais curta e será bem mais remunerado.
Sucesso
Mário Novais